Pior do que a falta de educação é uma educação de merda

Conquistar educação é mais difícil do que alcançar a riqueza. Os donos da riqueza do mundo, por exemplo, sabem muito bem disso. Sabem que o salário miserável (ou mesmo o salário generoso) que pagam àqueles que os servem não é exatamente o principal motor do seu sistema de acumulação de riqueza, como apontou Marx, erroneamente.

Sabem que, no fundo no fundo, é preciso dificultar o desenvolvimento da capacidade crítica das pessoas e, para isso, manter o sistema de distribuição de educação sob rédeas curtas. É preciso, sob o ponto de vista dos donos da riqueza do mundo, impedir que muitas pessoas pensem demais, enxerguem demais, emancipem-se demais. Pensem "errado", como muitos deles gostam de dizer e agora dizem, no Brasil e em outros pontos do mundo, os defensores da "escola sem partido".

Os donos da riqueza do mundo até admitem, e festejam, quando alguém saído dos estratos inferiores da sociedade alcança notoriedade pela via da obtenção de riqueza. Afinal, eles precisam resolver problemas objetivos da vida social, necessitam manter aceso o desenvolvimento tecnológico, a invenção de novos remédios para os deles e para os nossos males, desde que possamos pagar o preço, o que é ainda melhor, porque assim a economia se movimenta e eles aumentam sua riqueza.

Surgiu um jovem com uma ideia brilhante esperando para ser colocada em prática? Por quê não apoiá-lo, financiá-lo, promovê-lo, deixá-lo enriquecer de modo a que se torne mais um do clube? Isso é meritocracia! Parabéns, rapaz! Você é genial!

E assim caminha a humanidade.

O que não pode e imensamente incomoda aos donos da riqueza do mundo é se alguém de baixo adquire educação verdadeira, ou seja, põe a cabeça fora do penico e vê como de fato é o mundo, como se dão as relações sociais e, pior, vê que é possível mudar a realidade. Aí não pode! Lembra um personagem da minha juventude, o Dinho, que andava ligeiro pela Praça da Independência, em Santos, e falava aos ouvidos das pessoas com quem cruzava: "Não pode!" É, "não pode!", não.

Pode ter educação formal, essa que está disponível ao grande público e que em muitos países é até gratuita, garantida pelo Estado. O que não pode, aos olhos dos donos da riqueza do mundo, é a educação que vai além, a educação que nos liberta para pensar, para questionar as relações sociais vigentes. E também não pode, é terminantemente proibido, atuar no sentido de mudar o status quo.

Quando alguém possui tal educação (por dom divino ou opção) e, com suas palavras e atos, passa a disseminar seus conceitos e práticas, em busca da concretização da utopia, os donos do dinheiro do mundo se incomodam e põem seus exércitos nas ruas para abortar a ousadia. Do seu ponto de vista, cada época tem sua cota admissível de pessoas verdadeiramente educadas. Esse número não pode, de maneira alguma, ser ultrapassado, sob pena de ameaçar a estrutura social desde sempre construída.

Durante muito tempo o acesso à educação, mesmo essa mais simples, corriqueira, básica, utilitarista esteve restrito e vigiado, para que as possibilidades que ela discortinava não se disseminassem sem controle (leia o livro "O nome da rosa", de Umberto Eco, ou veja o filme). O andar da carruagem da História foi aos poucos distendendo essa vigilância, mas sem nunca admitir o óbvio revolucionário: educar o homem é emancipar o homem.

Não. Para os donos da riqueza do mundo, educar é tão somente instrumentalizar o homem.
Por quanto tempo, ainda?!

Texto produzido em 7/11/2018