Os zumbis não são humanos

Estamos tendo neste exato instante uma recaída emocional no chamado 'campo democrático' brasileiro, revivendo a insegurança dos piores momentos do período histórico comandado pelo verme golpista. Isso é compreensível. Equivale à crise de choro, aos tremores, ao desconforto que se segue a uma descarga continuada de adrenalina em nosso organismo, a partir de vivências que mobilizam a totalidade dos nossos nervos e músculos.

Em decorrência do inédito clima de pré prisão do crápula (e seus comparsas), e da realização desse ato (como sempre) terrorista no domingo, 25 de fevereiro (mais para expressar seu desespero do que qualquer outra coisa), o medo de que os avanços conquistados e a conquistar possam estar sob risco nos colocou de novo num estado de quase pânico, num incômodo real que precisa ser racionalizado.

E racionalizar é jogar um vento vigoroso, robusto, contra essa bruma que tenta turvar nossa visão e nos fazer esquecer o fato de que mais de um ano se passou desde o resgate da democracia no país, e que o Brasil é outro, inteiramente outro. Recuperamos o poder de lutar pela realização de nossas potencialidades. Hoje há luz. 

Uma Avenida Paulista cheia de zumbis vestidos de amarelo (alguns estranhamente montados em cavalos), ainda que estivesse realmente tomada por esse povo, não significa nada além de uma reunião de zumbis amarelados, atraídos por um fanatismo hipnótico, alienante e criminoso, porque desvincula essas pessoas de suas necessidades básicas, submetendo-as aos interesses inconfessáveis de uns poucos espertalhões. Como sempre.

Poetas já proclamaram: "É preciso estar atento e forte". Não devemos reviver inseguranças já superadas. Os inimigos foram batidos, mas, como na Democracia os inimigos não podem ser abatidos, eles continuarão por aí, tentando nos assombrar.  

"Não temos tempo de temer a morte". Cabe a nós exorcizá-los, colocá-los no devido lugar, impedi-los de entrar no vagão do futuro enquanto não tiverem recuperado a sensatez da civilidade, exatamente como agiu a torcida do Corinthians. Os zumbis não fazem parte do gênero humano.

Lula, a quem interessar possa

Nesta resposta a quem interessa possa, eu insisto: não se trata de que o Lula seduz aqueles que dele se aproximam, o que ocorre é que o indivíduo Lula da Silva é um legítimo portador daquilo que mais poder tem de seduzir o ser humano  a ousadia da liberdade. É impossível resistir à alegria [e à força] sem dissimulações de um homem que pratica a liberdade.

Lula da Silva, ontem, 2 de Fevereiro de 2024, não fez um (na festa dos 132 anos do Porto de Santos, quando anunciou a construção de um túnel ligando as duas margens do estuário do maior terminal marítimo da América Latina, uma obra que a região esperava há quase 100 anos), mas três discursos balizadores para o que será este ano de eleições.

O segundo foi na sede da Volkswagen (que anunciava investimentos de 14 bilhões de reais em suas unidades produtivas no Brasil), onde ele reencontrou seu berço político-sindical e se emocionou com este fato, citando nomes de antigos companheiros e até de desafetos do início de sua épica jornada, do sertão de Pernambuco aos mais elevados palcos do planeta). O terceiro foi diante da militância petista, na festa de refiliação de Marta Suplicy ao partido, para disputar a Prefeitura de São Paulo como vice de Guilherme Boulos, do PSOL.

Neste último, falando desde o fundo de sua alma e arranhando sua garganta, emergiram pensamentos lapidares e definitivos. Primeiro, apontou o óbvio: qualquer pesquisa que se faça mostra que o Partido dos Trabalhadores é reconhecido por no mínimo 20% da população brasileira, com o segundo lugar mal alcançando 1 ou 2%. Deste fato, Lula da Silva extrai um questionamento iluminador: por que, então, em eleições municipais o PT não consegue fazer ao menos 20% de prefeitos e vereadores?

Em segundo lugar, e não menos importante, bateu firme no identitarismo, a hipocrisia da moda que grassa entre os chamados progressistas.Observe-se, Lula da Silva não é contra mulheres, negros, brancos, jovens, católicos, velhos, evangélicos ou quem quer que seja ou queira ser. Lula da Silva  como indivíduo livre, que é  só não aceita a tese de que as pessoas devam ser festejadas (e, no caso, se tornem candidatas) pelo seu lugar de fala.

O raciocínio é simples e claro: a escolha de candidatos a vereadores e prefeitos, por exemplo, deve recair sobre aqueles indivíduos que possuam luz própria, liderança reconhecida e afinidade inquestionável com o Programa do PT. Essas são as condições essenciais a qualquer candidato. Pouco importa se a pessoa tem essa ou aquela cor, credo, idade, condição física ou sexual. Se houver convergência com os inúmeros lugares de fala, ótimo, mas que o lugar de fala não seja uma pré condição.

A sedução que emana do indivíduo Lula da Silva, insisto, é aquela de se estar diante de um ser humano que nos ensina a praticar a liberdade. Quando ele conta a história do dia em que incorporou a pobreza de sua infância e adolescência, transformando-a em patrimônio inigualável frente às lideranças maiores do planeta, e para elas discursou de cabeça erguida, falando em seu então precário Português sobre as responsabilidades históricas que recaiam nos ombros daqueles poderosos senhores, quando ele conta essa história (e o fez ontem de novo, falando às jovens e aos jovens trabalhadores da Volkswagen à sua frente) não é para se jactar. É para mostrar como se pode e deve praticar a liberdade.


Os vídeos:

No Porto de Santos

Na Volkswagen 

Na refiliação de Marta Suplicy 

 

Vida em hip hop

Tem sido motivo de regozijo haver nascido e ainda viver este tempo. Tal repentina euforia me veio ao sabor desse substantivo mágico, regozijo, que escrevo mais uma vez e repito, regozijo, antes que me esqueça de novo de quais letras se compõe, de tão inusual que ele é.

Vivi e vi sofrimentos, misérias, choros inadmissíveis de tantos inocentes, inaceitáveis humilhações de adultos, impingidas, amargamente aceitas em troca da esperança de um amanhã melhor. Tive nas mãos, aos 8 anos, um revólver reluzente, enquanto meu pai, bêbado, desacordava-se na cama ao lado devolvi-o à gaveta e esperei.

Testemunhei destruição, dores incontáveis, desesperos assombrosos, olhares vazios e cheios de perguntas definitivas, mas irrespondíveis. Caminhei através de catástrofes, quase tocando corpos carbonizados, reduzidos à sua essência mineral e desalmada. Presenciei o desenterrar da lama de crianças mortas, largadas como se nada fossem nos braços de homens determinados e impotentes.

Olhei no olho de mentirosos, de corruptos, de estelionatários e assassinos. Em todos vi mais o medo do que sabiam ser, do que a satisfação por aquilo que eram. Vi e vejo seres perdidos em seus próprios labirintos; erráticos, tontos de tanta ignorância, clamando por uma ajuda sem coragem de dizê-lo.

Vi e vivi isso que é o mundo. Não teria razões para declarar regozijo, mas o faço porque, afinal, sobrevivi a todos esses horrores, e posso [devo] agora dar meu testemunho. Não é o de um vencedor, mas o de uma pessoa perplexa com a teimosa exuberância desta existência cósmica daí o regozijo de poder dizer: Presente!

Digo perplexa porque constato, sim, o quanto a existência é tolerante, pois não se farta de ser agredida, vilipendiada, corrompida, submetida, e ainda assim nos oferece seus melhores, doces, renovados frutos.

Claro que a existência, representada pelas coisas que nos constituem e suportam, vem nos ensinando a eterna lição da perenidade cósmica. Não há horrores, misérias, dores, sofrimentos, dissimulações e fraquezas que ela desconheça.

Todas as iniquidades, as cometidas e as ainda a cometer, integram o [nosso] cardápio de possibilidades. Nada surpreende a existência  nada! Ela está sempre pronta a se pôr de pé, a se contrapor ao nosso podre não existir.

Viver, possuir e constituir a existência, e ainda mais nestes tempos tão intensos, de tantos fracassos e renovadas incertezas, de tantas gritantes e loucas esperanças, é, sim, motivo de regozijo.