A História continua. Eles não passaram

No fim de "Incêndios adormecidos", postado no dia 6, no site da Boitempo — leia a íntegra AQUI —, o cientista político Luis Felipe Miguel faz esta conclamação serena e coerente com sua análise da situação em que se encontra, hoje, o nosso País: "Que neste 2017 o movimento popular saiba alimentar as chamas da revolta e fazê-las tomar as ruas do Brasil, de norte a sul".

Tenho dito, a meu modo, que nenhuma grande mudança acontece apenas porque um grupo de pessoas esclarecidas assim o deseja, por mais liderança, empenho e capacidade de mobilização tenham essas pessoas.

Não, as grandes mudanças decorrem mesmo é de uma conjunção de fatores econômicos, políticos e sociais, incluindo-se, aí, sim, o empenho e a mobilização de lideranças esclarecidas.

Ficou para trás o tempo de reagir apenas por indignação, ocupando espaços públicos e virtuais, sob o impulso do momento.

Esse foi o tempo do "Não vai ter golpe!", do "Corruptos, fascistas, golpistas, não passarão!", do "Fora, Temer!", palavras de ordem que alimentaram uma reação fraca, insuficiente, frustrante.

O fato é que houve golpe; eles, por enquanto, passaram; e Temer está aí, desmontando o projeto de um Brasil inclusivo, solidário, socialmente justo e soberano.

A excelência do texto de Miguel está na descrição dos crimes que vêm sendo cometidos contra os interesses do País, e de seu povo, bem como no reconhecimento da insuficiência das movimentações de rua motivadas por insatisfações momentâneas, ocorridas ao longo do segundo semestre de 2016.

Esse tipo de agitação tem (e teve) fôlego curto. Restringe-se aos segmentos mais politizados da sociedade, com adesão residual de parcelas da influente classe média e quase nenhuma da imensa maioria da população, situada na base da pirâmide.

Só discordo da tese de que os governos do Partido dos Trabalhadores tenham sido responsáveis pela desmobilização da sociedade, ao longo das últimas décadas.

Ao contrário, foi o incentivo à participação na condução da coisa pública, patrocinado pelos governos petistas — por meio, por exemplo, dos Conselhos Populares — que liberou as forças sociais responsáveis pelas manifestações de massas de junho de 2013, juntamente com o advento das redes sociais.

O sucesso do "Fora, Dilma!" não foi porque o Partido dos Trabalhadores se institucionalizou ou foi engolfado pela burocracia. Foi porque os governos do PT, tendo a esfera federal à frente (desde o primeiro dia de Lula), se esqueceram de explicar à sociedade como as políticas públicas do PT vinham afetando positivamente a vida das pessoas.

Na falta de esclarecimento sobre as relações de causa-efeito, na ausência de explicações claras sobre COMO os programas inovadores dos governos progressistas estavam melhorando o cotidiano das famílias e dos cidadãos, o que restou foi um vácuo. E as pessoas deixaram de entender a razão e o real porquê de sua ascensão na escala social.

Quando veio a crise econômica de 2015-2016, em grande parte fabricada pelo PSDB de Aécio, FHC, Serra, e pelo PMDB de Cunha e seus asseclas (Temer, inclusive, atuando nas sombras da traição), todo o peso da desgraça crescente das pessoas foi depositado na conta de Dilma e do Partido dos Trabalhadores.
      
Isso tudo ficou pra trás. O que interessa agora, o que nos resta é manter a chama da indignação acesa e termos a consciência de que, afinal, eles não passaram. A História continua.

Texto produzido em 9/01/2017