A lógica torta (e idiota) do Gilmar

O sr. Gilmar Mendes declarou, em entrevista recente, na Suécia, que o impeachment da presidenta Dilma Rousseff não seria um golpe, porque se os crimes de responsabilidade a ela imputados tivessem de fato ocorrido e restassem provados, o processo não teria prosseguido caso ela alcançasse 172 votos na Câmara dos Deputados. Ou seja, Dilma está, sim, sendo vítima de um golpe, mas poderia tê-lo abortado se contasse com os tais 172 votos...

A lógica de Gilmar, como se verá, é apenas fruto de semi-habilidoso sofisma construído sobre o terreno movediço da política, onde há muito se sabe que as nuvens tomam as formas que queremos, e quando queremos. É coisa de indivíduos acostumados a manipular as inconsistências e dubiedades das leis, orientando-as aos interesses daqueles a quem servem.

O elemento gerador de um impeachment, fato que o sr. Mendes escamoteia, não são as razões objetivas apontadas para a abertura de um processo desses, embora essas razões possam ser em alguns casos verdadeiras e em outros casos falsas. Todo Presidente da República, Procurador Geral ou Ministro do Supremo — por força da Constituição — é alvo de pedidos de impedimento. Muitos. O próprio sr. Gilmar tem vários deles em seu controvertido curriculum. O elemento gerador de um impeachment é a conveniência da sua aceitação, a qual sempre pode ser contestada, dado que não se trata de um processo exclusiva e unicamente político. Tanto que em sua etapa final é conduzido pelo Presidente do STF.

Ocorre que, ao chegar às mãos daquele que tem o poder de aceitar ou rejeitar um pedido dessa natureza (o presidente da Câmara, no caso de Presidente da República; o presidente do Senado, no caso de ministro do Supremo ou do Procurador Geral), o que se sobrepõem são os interesses envolvidos. Se a decisão for pelo SIM, imediatamente enfraquece-se a posição do alvo do pedido, autorizando seus adversários a utilizarem todo e qualquer tipo de argumento para a consumação da sua derrubada. O sr. Gilmar vai ter a oportunidade de experimentar isso na pele, no dia em que o Senado aceitar um dos muitos pedidos que existem para afastá-lo do STF.

No caso em pauta — e aí é que se configura o golpe — o sr. Eduardo Cunha, presidente da Câmara, que semanas antes afirmara em entrevista não ver motivos para abrir uma ação de impedimento contra Dilma, ao ver negado o apoio do Partido dos Trabalhadores ao seu interesse de barrar o processo de cassação de seu próprio mandato, vingou-se da Presidenta e aceitou o mesmo pedido de impeachment que antes vinha desqualificando.

Ou seja, no momento em que o processo, fruto de uma vingança, foi aceito, o golpe se consumou. E com a conivência do Supremo Tribunal Federal, que tinha conhecimento dos fatos, pois foi provocado nesse sentido pela defesa da Presidenta, mas preferiu não impedir o prosseguimento do crime, alegando interferência indevida em outro Poder. Não teria sido indevida, porque as provas estavam (e estão) todas à vista, ainda mais depois que se conheceu o teor das conversas conspiratórias entre o sr. Sérgio Machado com o sr. Romero Jucá.

Ao 'lavar as mãos', portanto, o STF abriu caminho a que se construísse a maioria na Câmara em favor dos golpistas, animados por seus particularíssimos interesses, tendo em comum o desejo de se safarem dos processos de corrupção em que sabiam estar envolvidos. Sub-repticiamente, uniram-se a estes os notórios traidores da Pátria, que viram na circunstância a oportunidade que esperavam para entregar a riqueza do pré-sal aos estrangeiros e interromper a implantação da indústria nuclear no Brasil.

Resumindo, sr. Gilmar Mendes, reduzir um processo de impeachment à justificativa rasteira de se ter ou não ter 172 votos, conhecendo-se a casa de horror que é a Câmara dos Deputados do Brasil, ainda mais a Câmara dos Deputados desta legislatura, é nos chamar a todos de idiotas. Coisa que, definitivamente, não somos. O sr. é?

Texto produzido em 18/06/2016