Deixem de ser ridículos, por favor

O que tem me admirado, nos últimos dias, é o 'purismo de obras feitas' — equivalente à engenharia de obras feitas, ou seja, a prática cômoda de apontar erros só após eles terem ficado evidentes — que influentes analistas progressistas vêm praticando contra Lula, da mesma forma como o fizeram contra Dilma ao longo de 2015.

Dizem hoje, esses respeitáveis analistas, que Lula, por tudo que representa no imaginário popular, não poderia ter se deixado contaminar por qualquer nódoa de práticas há mais de cinco séculos consagradas na vida pública brasileira, qual sejam, as sempre perigosas relações da plutocracia com a política. Isto é, misturar política com dinheiro.

Talvez eles vivam em outro planeta, mas neste em que nasci e habito nada pode estar mais imbricado com o dinheiro do que a política. Diria, até, que um não vive sem o outro, pois são faces da mesma moeda. Fazer política é fazer dinheiro e fazer dinheiro é fazer política.

Errou Dilma, quando, semanas antes das eleições de 2014 não entendeu (ou não quis aceitar) o tamanho da crise econômica mundial, e encerrou sua campanha comprometida com os patamares de desenvolvimento alcançados no segundo mandato de Lula e no seu primeiro mandato?

Vejamos...

Dilma admite hoje, 2017, que cometeu dois erros: manter a desoneração fiscal (medida que tomou visando capitalizar as empresas, na expectativa de que elas ampliassem seus investimentos, o que não aconteceu) e desconhecer a sujeira do PMDB com que estava lidando para sustentar o governo de coalisão (PMDB este liderado por Eduardo Cunha, um dos maiores e mais astutos corruptos de que se tem notícia no Brasil recente).

Naquele momento, segundo semestre de 2014, no calor da campanha eleitoral mais violenta já havida no País, Dilma não tinha clareza de nada além de que precisava responder à saraivada de ataques a que era submetida. Ganhar a eleição era sua meta. E esta foi alcançada a duras penas, como se recorda, passando imediatamente a ser contestada e boicotada por seus opositores internos e, percebeu-se, também externos, estes ainda mais poderosos e competentes.

Dilma agiu certo, quando propôs freios à política econômica então praticada, com vistas a reajustar as contas públicas e restabelecer as bases para um novo ciclo de crescimento. O que ela não contava (erro que admite, hoje, repito) era com a canalhice corrupta dos srs. Cunha, Temer e seus asseclas, associados ao PSDB, todos empenhados em boicotar suas iniciativas de ajuste da economia, ao mesmo tempo em que avançavam com a agenda do impeachment, com o pornográfico (no mínimo por omissão) apoio de ministros do Supremo Tribunal Federal.

Se os ajustes de Dilma tivessem sido aprovados pelo Congresso (a recriação por tempo determinado da CPMF, por exemplo), o Brasil não estaria destruído como nos encontramos neste momento.

Quanto a Lula, suas apontadas aproximações com grandes empreiteiros, pretensamente em troca de pequenos favores, são acusações pobres. Um presidente da República — como admitiu outro dia FHC, este cidadão acima de qualquer suspeita, segundo a mídia oligárquica — não tem condições de saber de tudo.

No exercício do poder, um presidente da República honesto pode ser enredado de mil maneiras para parecer conivente com a corrupção. Quando deixa o poder, se fez o seu sucessor, como aconteceu com Lula, o cerco continua, mesmo que ele seja intrinsecamente honesto e busque se proteger.

Foi isto, parece, o que aconteceu com Lula. Ele não pediu favores, mesmo pequenos, a Emílio ou a Marcelo Odebrecht em troca de facilitações para obter contratos da Petrobras e de outras empresas estatais. Se (o que ainda está por se provar) esses senhores lhe fizeram favores ou agrados, isso teria ocorrido após ele ter deixado a Presidência. E não se provou que tais favores ou agrados (se foram feitos) tenham implicado em contrapartidas corruptas dentro do governo Dilma.

Ou seja, o que esses respeitados e influentes analistas progressistas estão a fazer é engrossar o coro de toda direita oligárquica, respaldando a fúria assassina contra Lula, Dilma e o PT. Ao não contextualizarem nada, ao não fazerem a leitura dos fatos segundo o momento histórico e as circunstâncias em que eles ocorreram (e ocorrem), o que esses progressistas praticam é o clássico equívoco de dormir com o inimigo.

Lula, senhores e senhoras, fez a 'revolução possível' em seus oito anos de governo.

Dilma, que o sucedeu, continuou e ampliou essa 'revolução possível' em grande parte de seu primeiro mandato. Até o Delfim Netto admite isso, até o Delfim!

A alternativa a essa 'revolução possível' (por dentro do sistema, fazendo-o avançar, ampliando as oportunidades a mais parcelas da sociedade) é uma revolução de fato, ou seja, do tipo que foi feito na Rússia de Lênin, na China de Mao, na Cuba de Fidel. Mas estas, senhores e senhoras, também não deram certo, se perderam no caminho, modificaram-se ou estão se modificando.

Enfim, viva Lula e Dilma! Eles nos mostraram que o Brasil pode ser diferente e melhor.

O resto é 'purismo de obras feitas", quando o que importa neste instante é atentar para as desgraças que os golpistas internos e externos nos trouxeram, quando derrubaram Dilma e colocaram Temer no lugar. É imperativo que se cobre, exija e aponte uma solução imediata para o Brasil. Como têm feito Mino Carta, Bresser Pereira e outros.

Texto produzido em 15/04/2017