Erramos

O fim nos chama.

Lentamente.

Não esperemos que ele nos alcance assim,

mediante magnífico estrondo, 

onda colossal, 

insuportável seca, 

lava infinda descendo dos montes.

Ou mesmo na mais pan das pandemias.

Brindados por aquele meteoro redentor errante.


Não.

Não teremos tal sorte.

O fim nos chama, mas lentamente.

Restemos firmes, 

bravos idiotas!


Chegará o dia em que tudo

nos parecerá natural,

necessário,

lógico.

 

Frente ao calor silente,

ao frio integral,

ao delírio da sede definitiva, sem oásis,

tudo enfim fará sentido.


Não, não pecamos. Erramos.

Chega de autopiedade.

Erramos.

De novo e sempre: Erramos.

Santos, sempre Santos!

Não sei quantas vezes ouvi, ou li, que futebol é igual à vida. Sempre aceitei essa ideia, porque gosto de futebol, embora me perguntasse: por quê apenas o futebol, se todos os esportes coletivos, em especial, baseiam-se no trabalho em equipe e dependem da prática da superação?

Vou tentar entender isso mas, por enquanto, confesso que gosto desse esporte. Ou melhor, sou Santos Futebol Clube, aquele que escolhi para torcer desde que nesta cidade cheguei aos 14 anos, em 1962, no auge da era Pelé.

Não tenho simpatia por qualquer outro time; é como se eles só existissem como nossos coadjuvantes (desculpem a arrogância). Se jogasse contra a Seleção Brasileira, mesmo que esta contasse com jogadores santistas, ainda assim eu torceria pelo Santos. Por isso, por essa inteira dedicação afetiva, certamente, é que só assisto a jogos do Santos, ou jogos cujos resultados tenham algum interesse direto para o Santos.

Para não dizer que sou sectário, admito que às vezes também torço pelo Jabaquara, ou pela Portuguesa Santista, o que é uma prova de que, na verdade, estou sempre torcendo por Santos, a cidade, ou, indiretamente, por aquele time que leva seu nome ou carrega a sua alma. Santos é a minha nação. Sua camisa, a branca, principalmente, é um sagrado manto, a soma de todas as cores.

Quando assisto aos jogos do Santos pela televisão, procuro primeiramente observar o semblante dos jogadores ao entrarem em campo. Quase sempre intuo um bom (ou mau) resultado a partir da expressão dos atletas. Se algum está de cabeça baixa, sempre me preocupo. Prefiro que estejam todos de olhos postos no infinito, pois isso me garante, digamos assim, que estão cientes de seus deveres profissionais; atentos aos movimentos mais sutis dos adversários; focados nas possibilidades que aqueles 90 minutos de suas vidas lhes proporcionarão.

Sei que os arranjos táticos importam; reconheço a importância do preparo físico; respeito a melhor qualidade desse ou daquele atleta das equipes concorrentes, mas entendo que nada supera o comprometimento mental e a disposição emocional de um time, se seus onze jogadores estão imbuídos do mesmo espírito de cooperação e entrega. E isto está claramente expresso no modo como adentram o gramado.

Se isso é ser igual à vida, então começo a entender aquela frase com que definem o futebol. Talvez outros esportes coletivos tenham o mesmo condão de mimetizar a complexidade da existência humana, mas, por algum motivo, só o futebol, o soccer, o calcio ousou conquistar o status que ele detém em nossa sociedade planetária.

Sim, porque o futebol certamente é o esporte mais popular da Terra. Sua capacidade de mobilização é inquestionável e frequentemente manipulada na tentativa, quase sempre frustrada, de se obter dividendos políticos. Um caso exemplar ocorreu em 1970, quando a ditadura militar que comandava o Brasil buscou capitalizar a conquista do tricampeonato na Copa do mundo, no México.

Não obteve sucesso, pois as pessoas, os torcedores, o Brasil inteiro entendeu que aquela estrondosa vitória era fruto do talento, da vontade e dedicação daqueles atletas brilhantes, capitaneados pela genialidade de Edson Arantes do Nascimento, o camisa 10 do Santos Futebol Clube.

Ontem à noite, 6 de dezembro de 2023, o SFC foi pela primeira vez em mais de um século rebaixado para a segunda divisão do futebol brasileiro; e isto exatamente no ano em que Pelé, o atleta do século XX, o inventor do futebol moderno (e de toda essa magia que o cerca) foi sepultado.

Hoje, dia 7, os principais jornais do mundo não perdem tempo falando da equipe que conquistou o Campeonato Brasileiro de 2023; falam do Santos Futebol Clube, do time de Zito, Gilmar, Mengálvio, Lima, Carlos Alberto, Durval, Pepe, Coutinho e de tantos outros mágicos que ajudaram Pelé a construir uma lenda.

Santos, sempre Santos! 

Matamos crianças, que nos matam de vergonha

O que vemos acontecer neste exato momento é o seguinte: todas as forças mais nefastas que habitam a psique da espécie humana estão se pondo em movimento. Reagindo ao apito ultrassônico que nós, reles mortais, não escutamos, mas que ressoa e se replica sobre a casca deste planeta, os cães da guerra e de todas as violências primitivas estão saindo de suas tocas, vomitando suas frustrações, preconceitos, ódios e violências. Não há mais razão a que apelar. Não há mais lado a ser defendido. Não há mais autoridade a ser acatada. Não há mais alternativa sobre a qual possamos depositar esperança.  Ingressamos num processo contagioso de dissolução das travas morais construídas ao longo de milênios de relações sociais governadas pela hipocrisia. Judeus matam muçulmanos, que matam judeus. Europeus matam refugiados de suas ex-colônias, que matam europeus. Estadunidenses matam latinos oriundos dos países que sempre exploraram, que matam estadunidenses. Eslavos matam irmãos eslavos, que matam eslavos irmãos. Ricos matam miseráveis, que matam ricos. Homens matam mulheres e homens que um dia amaram, que matam homens e mulheres que hoje odeiam. E agora, que nos aproximamos do fundo do abismo, matamos crianças, que nos matam de vergonha. Estamos definitivamente à deriva, à vista de todos, mesmo daqueles que se recusam a enxergar e vão levando suas vidas silenciosas e medíocres.

O caminho da China é mais do mesmo

O tema desta análise não ajuda ninguém a pagar as contas, nem dá solução para qualquer dos incontáveis problemas e dificuldades que enfrentamos no cotidiano. Mas, do meu ponto de vista, é uma das questões fundamentais a se abordar neste exato momento, se não a mais importante, porque estamos (talvez) diante da derradeira oportunidade de construirmos uma História consequente e, através dela, virmos a ser merecedores de um futuro.

Sim, pois o que tivemos até agora, ao longo desses 300 a 400 mil anos que nos separam do advento do Homo sapiens, foi uma inequívoca evolução material utilitarista, uma desastrosa experiência de serenamento espiritual e, até por causa desses fracassos, uma frustrada tentativa de harmonização social.  

Tendo em mente essas constatações, a pergunta que proponho é a seguinte: A China vem, de fato, construindo as bases de uma Nova Ordem Mundial? Ou, melhor dizendo: O lançamento, em 2013, do programa "Iniciativa Cinturão e Rota" (Belt and Road Initiative), mais conhecido como "Nova Rota da Seda", inaugurou verdadeiramente um novo momento na História? Gostaria que fosse verdade, mas tenho dúvidas.

Primeiramente, é necessário entender do que se trata isto que se pretende mudar, a Velha Ordem  a qual prefiro denominar de o nosso modelo de civilização , esta(este) que se encontra em crise e começou a ser construída(o) não a partir da Idade Moderna, como alguns advogam; muito menos da Idade Contemporânea, como outros querem, mas que remonta a cinco ou seis mil anos, quando se deu a invenção da escrita sistematizada, na Mesopotâmia  conforme asseguram achados arqueológicos , o que propiciou o registro físico e a difusão organizada de conhecimentos, fatores determinantes para o avanço da cognição.

Esse modelo civilizacional esteve voltado, com prioridade e desde sempre, à busca e ao desenvolvimento de meios e modos de preservar nossa espécie, praticando aquilo que chamo de via do prosseguimento, traduzida na acima referida evolução material utilitarista impulsionada pelas ciências e tecnologias.

Animados pela ousadia cognitiva  que pode ser entendida como dádiva, mas também como maldição, conforme especula a sabedoria mais antiga , aprendemos a preservar e melhorar as condições de nossa existência física. E fomos tão bem sucedidos nessa tarefa, que deixamos de atentar para o abismo que se abria entre o desenvolvimento material e o aprimoramento espiritual da espécie humana.

Nesse aspecto (o da espiritualidade), o máximo que produzimos foi instituir religiões, delegando a uns poucos iluminados o direito de nos impor dogmas e determinar comportamentos fundamentados no medo. Mais recentemente, reféns que somos da aventura cientificista, instituímos técnicas e profissões destinadas a cuidar de nossas fraquezas psíquicas, igualmente transferindo a terceiros, e a drogas sintéticas ou naturais, as responsabilidades que são intransferivelmente nossas, de cada um de nós, no pleno domínio do nosso livre-arbítrio possível.

Ou seja, adotamos nada mais do que bengalas místicas, psicológicas, psicotrópicas, enquanto negligenciávamos o enfrentamento do mistério do existir. Pensamos, assim, estar circunscrevendo nossas debilidades emocionais a limites socialmente aceitáveis, quando na verdade apenas reprimíamos aquilo que nos recusávamos a admitir: a aceitação dos mistérios e a busca (possível, insisto) da compreensão do muito que ainda resta inexplicável. Fortalecemos nossas fraquezas (justificando-as), criamos frágeis couraças, e nos iludimos com esses subterfúgios. Foi isto o que fizemos, e temos feito, embora a imagem pareça contraditória.    

Se esta é a Ordem que a China pretende assumir, tomar posse  ou seja, se a ideia não é pôr abaixo esse modelo civilizacional , o caminho chinês está errado. Não será uma Nova Ordem o que sairá desse projeto, mas, de novo, um imenso fracasso; mais um a se juntar à cronologia histórica iniciada, até onde se sabe, com a experiência suméria, seguida, entre outras, da egípcia, da grega, da romana e, nos dias de hoje, desta construída pelos Estados Unidos da América, suas nações associadas e aquelas submetidas — o tal do Império do Ocidente.

E como fracassará o pretendido Império do Oriente liderado pela China? Fracassará repetindo o velho erro de dividir, ao invés de somar; fracassará ao negligenciar, mais uma vez, a tarefa primordial da liderança, que é a promoção do direito e dever de cada indivíduo exercitar seu livre-arbítrio possível; fracassará ao não estender a todos os seres dotados de racionalidade a necessidade de aprender, compreender e aceitar seu pertencimento cósmico, condição essencial da veracidade, da qualidade e da viabilidade de todo e qualquer projeto desse tipo.

Já se passaram cinco mil anos de construção civilizatória (ou muito mais, se dermos crédito à existência da Atlântida referida pelo grego Platão), e a espécie humana ainda não se deu conta daquilo que sempre esteve à vista de todos: o planeta é um só e tudo o que nele há, e habita, é exatamente o que o constitui, inclusive o Homo sapiens. Ou seja, não somos inimigos de nós mesmos; nem do ambiente em que estamos inseridos e ao qual pertencemos. E não somos inimigos porque não devemos, no sentido moral, mas porque não podemos ser, no sentido lógico, objetivo, racional, prático e  como tantos gostam de dizer  científico.

Está previamente desenhado o fracasso de mais essa tentativa de impor uma hegemonia voltada ao atendimento de interesses meramente nacionais, regionais ou geopolíticos. Alguns dirão que não se trata disso; que a intenção chinesa é a de promover a harmonia universal, principiando pela construção de um mundo multipolar, em substituição ao atual modelo centralizado numa única potência, os EUA. Talvez. Mas se esse é o objetivo, a formulação é insuficiente e sua aplicação começou errada, pois colocou a divisão adiante da soma, o confronto à frente da concórdia, o fato consumado antes do convencimento.

Não se busca um câmbio civilizacional dessa magnitude sem um ponto de partida corretamente estabelecido, claramente posto e inequivocamente praticado. Assim, a âncora desse projeto não poderia ter sido a busca prioritária da viabilização do desenvolvimento chinês, como em última análise se configura a "Iniciativa Cinturão e Rota", o carro-chefe dessa ideia. Posto desde o começo desta forma, atraiu e continuará atraindo ressentimentos, resistências, contraofensivas (como estamos vendo nos conflitos Rússia x OTAN/Ucrânia e Israel x Palestina).

Se a China quis lançar as bases de uma Nova Ordem Mundial  e penso que sua história milenar a credenciaria a isso , o primeiríssimo passo não deveria ter sido o econômico, mas o político. Agindo como agiu, e como tem agido, apenas repete o que tantas outras nações tentaram: a busca de uma prevalência moral, com inclinação hegemônica e superioridade étnica, ainda que auto declaradamente pacífica, suave, colaborativa.

A Terra não depende da China, dos Estados Unidos da América, da Rússia, do Brasil. São essas e todas as demais nações, e seus respectivos povos, que dependem deste minúsculo maravilhoso planeta. É para a Terra, que nos abriga e contém, que devemos olhar. É por ela que devemos viver. Porque ela, enquanto existir, é a nossa casa, o nosso abrigo, a razão de nossa existência.   

O melhor para o mundo é o melhor para Brasil

O futuro do Brasil não será decidido apenas pelo sucesso ou insucesso econômico e social do Governo Lula. Três fatores, encadeados e misturados, determinarão os destinos do nosso país: o desfecho do conflito Rússia x OTAN/Ucrânia; as eleições presidenciais norte-americanas, em 2024; e o avanço da liderança da China em direção ao hemisfério Sul do planeta.

Luiz Inácio Lula da Silva sabe que está correndo contra o tempo. Tem consciência de que precisa acelerar o passo das reformas sociais voltadas à distribuição de renda, para que assim possa conquistar força política capaz de proteger seu governo dos furacões que se aproximam. Mas também não desconhece que as reformas só acontecerão e darão frutos se houver o aperfeiçoamento da arrecadação tributária e a ampliação da base de contribuintes, incorporando a ela os ricos, os super ricos e os bilionários.

Neste primeiro ano de governo tem se dedicado a retomar os grandes programas sociais de seus dois mandatos anteriores (mantidos e ampliados por Dilma Rousseff, enquanto pôde); reativar as obras que estavam paralisadas há dez anos; lançar novos investimentos em infraestrutura e outros programas voltados às camadas mais pobres e remediadas.

Para isso (aprovar matérias de interesse do Governo no Parlamento), embora nos cause náuseas, tem sido obrigado a negociar com a direita, abrindo espaço até para adversários recentes. Com uma diferença: ao contrário de seus dois governos anteriores, e do primeiro de Dilma, desta vez, seguramente, está se resguardando quanto à corrupção da máquina pública.

Já disse outro dia, com todas as letras, que os desvios de conduta dos indicados do chamado Centrão para cargos no Governo são de responsabilidade de quem os indicou; e certamente não criará nenhum empecilho à divulgação de bandalheiras que estejam sendo ou venham a ser praticadas por esses indivíduos, além de mantê-los sob estreita e permanente vigilância. O recado foi plenamente entendido por Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, que também declarou não se responsabilizar pessoalmente por eventuais erros de aliados no Governo.

O fato de indivíduos indicados por Lira ocuparem postos importantes no primeiro e segundo escalão da administração federal, convenhamos, é do jogo político; decorre do presidencialismo de coalizão que temos no Brasil. Afinal, apesar dos alertas de Lula durante a campanha eleitoral de 2022, e de ele ter apelado aos partidos de sua coligação que intensificassem os esforços no sentido da eleição de uma grande bancada no Legislativo, isto não aconteceu.

Voltemos aos três fatores que determinarão o futuro do Brasil. É possível que o conflito Rússia x OTAN/Ucrânia não se resolva antes das eleições presidenciais dos EUA. Pior, talvez ocorra um recrudescimento, tendo em vista o grau de envolvimento dos norte-americanos no conflito (fala-se em gastos de 77,5 bilhões de dólares, apenas de janeiro de 2022 a 2023).

Mesmo que o presidente Joe Biden venha enfrentando crescente resistência interna contra essa guerra, em decorrência dos efeitos negativos que ela tem produzido sobre a economia daquele país; mesmo que Biden possa estar arrependido de ter incentivado e apoiado a Ucrânia numa guerra em que sairá derrotado (a menos que se engaje num conflito nuclear contra a Rússia), mesmo que isso seja verdade, ele não tem mais condições de recuar.

A opinião pública interna está crescentemente se posicionando contra o apoio dos EUA à Ucrânia, mas o eleitor norte-americano não perdoará os democratas por mais uma guerra perdida e pela humilhação que se seguirá, ainda mais num quadro de degradação da qualidade de vida do país, com acelerada perda de prestígio junto a nações aliadas.

Nesse cenário, as pressões norte-americanas sobre o Brasil tendem a ficar momentaneamente contidas, até porque o apoio do presidente brasileiro pode render alguns frutos a Biden, em especial junto a lideranças sindicais, onde Lula conta com aliados. Lula tambem está ciente disso, e joga o jogo, pois a opção Donald Trump será catastrófica.

Acredito mesmo que uma vitória de Trump levará a um golpe de Estado no Brasil. Se não diretamente contra Lula, seguramente no curso da próxima eleição presidencial, quando eventualmente na presidência dos EUA (e depois de fustigar o governo brasileiro por dois anos) Trump exercerá toda a pressão a favor de um governo de extrema-direita, entreguista e obediente em nosso país, nos moldes desse indivíduo que disputa com destaque as eleições na Argentina.

A tragédia que está posta é que foi o próprio Biden, mercê de uma política anacronicamente belicista, quem preparou a armadilha política em que está metido. Num período da história mundial em que tudo apontava para a superação das diferenças e a construção de consensos, tendo em vista o desafio climático e as ameaças biológicas, ele, Biden, deixa-se envolver pela lógica da beligerância. Tanto a quente (que exerce através da OTAN/Ucrânia) quanto a fria, que exercita contra a China.

A China que, paulatinamente, de forma perseverante e eficaz, vem construindo desde a última década do século passado a maior economia do planeta, sem se envolver em guerras desgastantes e caras mundo afora  lembremo-nos de que somente nos últimos 12 meses os gastos militares globais consumiram cerca de 2,3 trilhões de dólares, valor equivalente a 50% do orçamento dos EUA, país que lidera esse desperdício de dinheiro. A China que, nos últimos dez anos, vem se propondo a dividir a liderança global dos EUA, inaugurando o chamado mundo multipolar, enquanto o Império Americano se desintegra.

O futuro do Brasil depende de como se desenvolverão essas dinâmicas geopolíticas. Os problemas que Lula enfrenta no plano interno são imensos, mas não são os maiores. Grandes tempestades estão se formando no horizonte e elas vêm de fora, estão além de nossas forças. Não é por outro motivo que Lula se credencia a lutar pela paz e pelo fim da desigualdade social planetária. Ele pensa e trabalha no melhor para o mundo (também) porque sabe que só assim terá o melhor para o Brasil.

O petróleo e o nosso modelo de civilização

Um dos principais debates, hoje, no planeta, gira em torno da substituição dos combustíveis fósseis como fontes de energia. As posições têm sido sustentadas de forma apaixonada, especialmente quanto à continuidade de se utilizar hidrocarbonetos (petróleo, gás natural e hulha) como matriz energética. No Brasil, discute-se particularmente a conveniência da exploração do potencial petrolífero da margem equatorial (entre os estados do Amapá e Rio Grande do Norte).

As estimativas do Ministério de Minas e Energia (MME) do Brasil para essa área indicam um potencial de cerca de 10 bilhões de barris de óleo, com poder de gerar US$ 56 bilhões em investimentos, além de uma arrecadação da ordem de US$ 200 bilhões e criação de 350 mil empregos, conforme apurou o site "Migalhas".

De acordo com o 'perfil de refino' do Brasil, e dependendo do tipo de petróleo utilizado, de cada barril são produzidos 40% de diesel,18% gasolina, 14% óleo combustível (utilizado para aquecimento de fornos e caldeiras, ou motores de combustão interna para geração de calor), 8% GLP (gás de cozinha), 4% gasolina e querosene de aviação, 8% nafta (matéria-prima da petroquímica) e 8% outros.

Publicação encontrada no site da Petrobras sobre os derivados que fazem parte do nosso consumo cotidiano informa que as matérias-primas para os petroquímicos são a nafta e o gás natural (que se diferencia do GLP pela maior presença de propano em sua composição, cerca de 88%). Ainda de acordo com essa publicação, os petroquímicos são classificados como básicos, intermediários e finais.

Os básicos são eteno, propeno, butadieno, aromáticos, amônia e o metanol, a partir dos quais é produzida uma grande diversidade de intermediários. Estes, por sua vez, serão transformados em produtos petroquímicos finais como os plásticos, borrachas sintéticas, detergentes, solventes, fios e fibras sintéticos, fertilizantes, etc. A publicação detalha a aplicação industrial de alguns dos principais petroquímicos:

Eteno – seu principal derivado é o polietileno, que é usado na fabricação de sacos plásticos para embalagem de produtos alimentícios e de higiene e limpeza, utensílios domésticos, caixas d’água, brinquedos e playgrounds infantis. Dentre suas outras aplicações podemos destacar o PVC, usado na construção civil, em calçados e em bolsas de sangue.

Propeno – é a matéria prima para o polipropileno, usado, por exemplo, em embalagens alimentícias e de produtos de higiene e limpeza, peças para automóveis, tapetes, tecidos e móveis. Apresenta, além dessa, diversas outras aplicações como, por exemplo, produção de derivados acrílicos para tintas, adesivos, fibras e polímero superabsorvente para fraldas descartáveis.

Butadieno – usado principalmente na produção de borracha sintética, em pneus e solados para calçados, por exemplo.

Aromáticos – são matérias-primas para produtos como o PET utilizado em garrafas e fibras sintéticas, e o poliestireno, material empregado em eletroeletrônicos, eletrodomésticos, embalagens de iogurtes, copos, pratos e talheres e material escolar.

Metanol – é insumo para produção de biocombustíveis e de diversos intermediários químicos usados, por exemplo, pela indústria de móveis e de defensivos agrícolas.

Amônia – é uma das matérias-primas para a indústria de fertilizantes, sendo usada na produção de uréia e de fertilizantes nitrogenados utilizados nas culturas de milho, cana de açúcar, café, algodão e laranja, entre outras.

O conjunto de informações acima visa chamar nossa atenção para uma realidade inquestionável e dramática: os hidrocarbonetos, fornecidos pelo petróleo, a hulha e o gás natural constituem muito mais do que fontes de energia  eles são a espinha dorsal do modelo de civilização que temos desenvolvido desde meados do século XIX, para o bem e para o mal.

Investir na produção de energia limpa (hídrica, eólica, biomássica, geotérmica, maremotríz e até mesmo nuclear) é apenas uma parte do desafio civilizatório. Enquanto não forem encontradas alternativas (se é que elas existem) para a produção da infinidade de elementos químicos dos quais nossa sociedade depende  e não só os energéticos, insisto , os hidrocarbonetos não poderão ser descartados.

A mesma publicação do site da Petrobras, acima referida e linkada, nos informa: É praticamente impossível pensar o dia a dia sem a participação de algum produto obtido a partir da indústria petroquímica. Essa indústria (...) nos traz conforto e praticidade, sem que imaginemos quanta tecnologia e conhecimento estão envolvidos nas coisas mais simples. Existem produtos oriundos dessa indústria em roupas, colchões, embalagens para alimentos e medicamentos, brinquedos, móveis e eletrodomésticos, carros, aviões e cosméticos. Isso se deve (...) ao petróleo refinado em produtos que são a base para grande parte da indústria química.

Tendo essa compreensão em mente, só nos resta apoiar os esforços no sentido da aceleração do desenvolvimento de fontes energéticas limpas, ainda que, paradoxalmente, lançando mão de recursos advindos da exploração de fontes sujas, como o petróleo. E, seguramente, investir muito mais recursos, e de forma acelerada, na busca e desenvolvimento das matérias químicas imprescindíveis que hoje os hidrocarbonetos nos proporcionam. O resto é desinformação, hipocrisia, manipulação.

A 'Ars Humanae' quântica

Habilidade ou disposição dirigida para a construção de uma finalidade prática ou teórica, realizada de forma consciente, controlada e racional  este é o significado de Arte (do latim Ars, Artis), uma definição "breve e clara" para literalmente todas as ações humanas, numa conceituação que nos remete às ideias de ofício, expediente, obra, produto, talento etc

Tudo começou a mudar radicalmente no Renascimento (meados do século XIV ao fim do século XVI, na Europa), período histórico inspirado na Antiguidade Clássica grega, onde se passou a valorizar a racionalidade, em contraposição ao dogmatismo místico, religioso, obscurantista da Idade Média.

Ali, na transição do feudalismo para o capitalismo, paradoxalmente aos avanços científicos que se seguiram, a ideia de Arte como a construção de uma finalidade prática ou teórica, realizada de forma consciente, controlada e racional, perdeu sua abrangência, delimitou-se à utilização exclusiva que hoje lhe conferimos  a de expressão do belo.

Essa abrangência corrompida, reduzida e delimitada ao plano da estética  categoria da expressão humana destinada ao agrado dos sentidos e, em sua versão mais sutil, à incitação da racionalidade , embora nobre, retirou da compreensão e das ações cotidianas do homem o seu caráter de unidade. 

O que originalmente sempre fora Arte, as diferentes Artes do homem, a integralidade de seus conhecimentos  ars grammatica/a arte da gramática, ars liberales/as artes liberais, ars illiberales/as artes mecânicas, ars civiles/as artes da paz e da jurisprudência, ars disserendi/a arte da lógica, pessimae artes/os vícios detestáveis , deixou de ser assim compreendido e nomeado. Ganhou condição individualizada, apartada do todo, fragmentada, especializada.

Se isto abriu as portas da cognição para o advento do método científico, proporcionando a melhoria das condições de existência da espécie  mediante a ramificação da ciência, seu aprofundamento e consequente desenvolvimento de novas e renovadas tecnologias  não podemos ignorar o já citado paradoxo: também produziu a perda do sentimento do uno, do universal, e acelerou a compartimentação dos saberes, das Artis humanaes.

Se ainda restam dúvidas quanto ao peso determinante deste paradoxo para a ascensão do atual momento histórico, dominado por uma completa entropia, basta atentar para a abundância de conhecimentos e saberes já conquistados por nossa espécie, os quais, compartimentados (entre vários campos científicos que mal se comunicam) e exclusivisados (acessíveis apenas a seus proprietários; não socializados), estão longe de servirem ao interesse comum e não nos tem proporcionado qualquer possibilidade de quietação.

O fato é que a História cobra seu preço: ganhamos de um lado, perdemos do outro. Assim tem sido em cada mudança de época, todas elas provocadas por grandes cataclismos naturais ou produzidos pelo homem em seu processo civilizatório.

Falamos da virada da Idade Média para o Renascimento. Mas podemos nos referir ao advento da Idade Moderna (1453 a 1789), com a expansão do comércio marítimo, o descobrimento de novas terras, o intercâmbio com novas culturas, a absorção de conhecimentos de outros povos, mas, igualmente, o surgimento do colonialismo, da escravidão, da retomada da força e influência das religiões em detrimento do respeito ao mistério da existência.

A Idade Contemporânea iniciada em 1789, com a Revolução Francesa, proporcionou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, mas também consolidou em definitivo a exploração capitalista, produziu o mercado de massas (dos supérfluos e da obsolescência programada), a destruição do ambiente, duas sangrentas guerras mundiais, a interminável Guerra Fria, o domínio da energia nuclear e a possibilidade de autodestruição da espécie. Esta é a Idade que, se diz, dura até hoje.

Assim como tantos outros, discordo dessa periodização. Desde as formulações de Albert Einstein, em meados da segunda década do século XX, seguidas da descoberta das propriedades da Física Quântica, não se pode mais falar em Idade Contemporânea. A própria ideia de contemporaneidade perdeu o sentido.

Sabe-se, agora, que nada é contemporâneo. Tudo está em movimento relativo. Tudo pode ser e não ser. Tudo e nada tem a mesma importância (pois são interdependentes e complementares) no plano dos fenômenos físicos; ou seja, naquilo que somos, vemos, cheiramos, sentimos, ouvimos, experimentamos. Talvez estejamos em plena Idade Quantum (que é a menor quantidade de qualquer grandeza física). 

Ironicamente, penso eu, a evolução cognitiva nos está reconduzindo para aquela sabedoria de origem, onde o homem, embora erroneamente se achasse o centro do Universo, sabiamente se apropriava de todo o conhecimento disponível, sem compartimentá-lo, sem fragmentá-lo, apenas exercitando a Ars humanae.

Em nosso favor, podemos alegar que a massa e variedade de conhecimentos hoje disponíveis nos impedem de exercer a integralidade e interdisciplinaridade de seu uso. Mas isso podia ser verdade até ontem. Hoje, amanhã, com os avanços na computação quântica, estamos diante da iminência de uma nova e ampla fronteira civilizacional.

Viva a TV Justiça! Vivam as redes sociais!

Uma tese que ganhou força em 2012, com o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do chamado 'Mensalão' principalmente entre intelectuais, em especial do campo progressista , foi a de que o televisionamento das sessões seria contraproducente para o bom andamento dos trabalhos da Corte, e para aquele processo em particular.

Envaidecidos pela notoriedade conquistada, os 11 ministros  de quem, antes do advento da TV Justiça, em 2002, mal se conheciam os nomes haviam passado a julgar, dizia-se, não de acordo com os autos dos processos e à luz da Constituição, mas conforme a repercussão de seus votos junto à opinião pública. "Jogavam para a plateia", como se afirmava, apontando os riscos que esse comportamento midiático representava para a produção de justiça.

Dizia-se mais: que as frequentes aparições na imprensa, artigos publicados e entrevistas concedidas por aqueles (e esses) ministros seriam um desvio em relação às suas obrigações e deveres, dado que "juiz só deve se manifestar nos autos". A título de exemplo de "boa conduta jurisdicional", apontava-se o modelo norte-americano, onde, além de não haver sessões televisionadas, os integrantes da Suprema Corte manteriam distância dos holofotes, seriam discretos e, por isso, pouco conhecidos da maioria da população. Recentes denúncias envolvendo o ministro Clarence Thomas (que podem ser conhecidas com uma busca simples na internet) desmentem em grande medida esse mito.

É verdade que o componente da fama adquirida e, muitas vezes, ostensivamente buscada por integrantes da Magistratura e do Ministério Público brasileiros foi, e tem sido, fator de distorção em muitos julgamentos. Exemplo clássico, que certamente já vem sendo estudado nas faculdades de Direito: as irregularidades (incompetência e suspeição) cometidas pelo juiz e promotores da 13ª Vara Federal, de Curitiba, na caso 'Lava Jato', e que levaram à anulação dos processos contra o então ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e continuam a ameaçar a carreira de inúmeros integrantes do sistema de justiça.

Cabe, no entanto, a pergunta: O que é mais prejudicial à promoção da Justiça e, em última análise, ao aperfeiçoamento da Democracia, a exposição televisiva dos ministros do STF e o imediato escrutínio de seus votos por especialistas nas matérias em julgamento (ou mesmo por leigos) ou a proferição desses votos em ambientes fechados, acessíveis apenas aos diretamente envolvidos e a poucos jornalistas credenciados?

Ora, é sabido que vivemos o tempo das comunicações globalizadas e instantâneas, onde as redes sociais se impõem como instrumentos capazes  em tese  de proporcionar o alargamento do debate de todas as questões que digam respeito ao conjunto da sociedade. Num tempo como este, em que se está a construir um novo paradigma, não é mais possível, nem desejável, evitar a ampla publicização dos pensamentos e atos dos agentes públicos. em especial os do Judiciário.

No caso do  se assim podemos defini-lo  modelo brasileiro, em desenvolvimento desde a criação da TV Justiça, sem dúvida que houve e tem havido exageros, decorrentes da súbita popularidade adquirida e claramente mal administrada por personagens deslumbrados (ministros foram aplaudidos em shoppings, supermercados, restaurantes, estádios de futebol; alguns chegaram a admitir, publicamente, que se pautavam pelo "clamor das ruas", como se "as ruas" fossem inequivocamente detentoras da verdade e portadoras da sabedoria).

É sabido e assentado em lei que uma das obrigações do magistrado é conhecer todas as possíveis facetas do caso em julgamento e, se necessário, decidir contra o senso comum. Então, como se explicam as rotineiras quebras desse esperado princípio? Seriam consequência apenas e tão-somente da novíssima exposição midiática desses indivíduos? Seriam os meios de comunicação responsáveis pelos desvios na conduta profissional dessas pessoas, ou isto resultaria de fatores anteriores e mais profundos?

De fato, os brinquedos novos têm o condão de nos infantilizar, e as atuais tecnologias comunicacionais, com suas engenhocas e múltiplos recursos, são também isso, brinquedos e distrações para adultos, enquanto a ampla exposição proporcionada pelas redes sociais atuam sobre a carência afetiva e a vaidade dos seres humanos em geral, sejam eles juízes, promotores, ou reles mortais. Portanto, o que não podemos nos esquecer é de que o Homo sapiens ainda não alcançou o estágio da maturidade emocional. Este é o ponto.

Somos capazes de elaborar e comprovar sofisticadas teorias científicas, inventar e produzir espantosas facilidades tecnológicas, desenvolver habilidosas maneiras de convivência social e, imodestos, nos iludimos com tais saberes e poderes, julgando-nos seres civilizados. Qual o quê!, diziam os mais antigos.

Frente ao paradoxo existencial produzido por esse autoengano enraizado em nossa cultura globalizada, é preciso pontuar o óbvio: todo e qualquer indivíduo de bom-senso há de convir que muitos desafios civilizacionais precisam ser enfrentados, até que se conquiste a maturidade, sendo um deles a produção de justiça a partir da estrutura legal construída por nossa sociedade (que agora conta com a valiosa possibilidade de ser acompanhada e avaliada pelo conjunto dos cidadãos).

É preciso saudar essa oportunidade que o avanço das ciências e as tecnologias de comunicação estão a nos proporcionar. Há um preço a pagar, sem dúvida, e este é a difícil convivência com indivíduos dotados de poder, e que se revelam totalmente imaturos para exercer suas funções institucionais. Ainda assim vale a pena seguir adiante com o processo em curso, até porque essas tecnologias são irreversíveis e só tenderão a aprofundar a exposição do caráter humano.

Limitando-nos ao caso específico dos profissionais a quem a sociedade delega o poder de promover justiça, o fato desses ilustres indivíduos poderem agora ser acompanhados, ao vivo, pela televisão e redes sociais globalizadas, bem como avaliados, cobrados e muitas vezes desmascarados em suas intenções, constitui um novo alento no sentido da conquista da maturidade da espécie. Isto me parece inquestionável.

Tive clareza desse fato, mais uma vez, nesses dias, com a retomada do julgamento do denominado Marco Temporal  em que se pretende revalidar o processo de espoliação das terras milenarmente pertencentes aos povos originários —, ouvindo e vendo os votos, apartes e argumentações de ministros do Supremo Tribunal Federal.

Minha conclusão: esses empoderados cidadãos precisam e devem ser acompanhados e cobrados pelo conjunto da sociedade. E, para que isto aconteça, se mantenha e se aprofunde, dou aqui um viva à TV Justiça e às redes sociais!

A III Guerra está acontecendo. E isso pode ser bom

Não devemos nos iludir com o que está acontecendo no mundo neste exato ano de 2023. A grande guerra, a III Guerra Mundial que tantos temiam já está em curso, e se dá exatamente entre Ocidente e Oriente, os dois contendores que há tempos eram anunciados desde, provavelmente, as últimas décadas do século passado (vide "O Choque de Civilizações", de Samuel P. Huntington, 1927-2008).

É preciso que isto fique bem claro: não estamos em meio a um embate trivial (embora ele seja épico) entre duas grandes potências, EUA vs. China. Não é tão simples assim, pois o que está em curso é um confronto civilizacional, talvez nossa derradeira chance de conquistar a Terra. Esqueça, portanto, essa conversa de sul global contra norte global. 

O que temos, de um lado, é uma nação que, representando o Ocidente ao longo de quase um século, atraiu para suas fronteiras e/ou esfera de dominação e influência o que havia de melhor e mais inventivo na inteligência da planeta, e com esse movimento, ou lance de sorte, agregou à sua curta existência uma riqueza intelectual poderosa, oriunda de todos os cantos da Terra e acumulada por alguns milhares de anos. Desde, provavelmente, quando o Homo sapiens passou a produzir bens e viver de forma gregária.

De outro lado está uma nação que já se põe no jogo com as cartas de quem carrega cinco milênios de história. Cinco mil anos vividos em sua maioria, a bem da verdade, isolada do resto do mundo, governada por regimes monárquicos hereditários extremamente fragmentados em seu imenso território, mas ainda assim capaz produzir inventos fundamentais (pólvora, papel, bússola, impressão). Um povo igualmente antiquíssimo, neste caso não por coesão, mas herdeiro de uma construção histórica contínua e quase sempre una, discreta e disciplinada.

Ambas civilizações têm seus méritos e fraquezas. De um lado, a exuberância, a velocidade, a pressa, o turbilhão de fazeres; de outro, a solenidade, a segurança, a paciência, o gradualismo. Uma exercendo sua liderança de forma impositiva, ruidosa, praticando um misto de soft com hard power; a outra, avessa a extravagâncias, expandindo-se em silêncio, firmando e confirmando suas posições bem longe de desgastantes e custosos conflitos, quase desinteressada de se fazer agradável.

As duas, entendo, estão igualmente erradas em suas práticas e talvez, o que é pior, também em seus propósitos destinados a construir a felicidade da espécie humana. Nem a primeira (e aqui não se trata de hierarquia, mas de ordenamento de raciocínio) tem sido efetiva, nem a segunda será capaz de efetivar esse intento, se é que ele realmente está presente em suas agendas. O motivo é simples: ambas partem da mesma premissa errada.

A felicidade do ser humano não será construída pela prática do individualismo, mas também não o será pela imposição do coletivismo — esta é uma das premissas da equação. A outra premissa, tão importante como a primeira (ou mais, porque pouco ou nada enfrentada ao longo dos 300 mil anos de nossa história pequena, iniciada com o gregarismo), é a maturidade, que precisa ser conquistada.

O individualismo, que sustenta o sistema capitalista, não foi capaz de erigir as bases da felicidade humana; o coletivismo, que orienta o sistema distributivista, padece da mesma insuficiência teórica e prática. Estamos lidando com as barreiras impostas pela psique da espécie, barreiras estas que se manifestam nos nossos medos, os mesmos medos que, paradoxalmente, ao serem desafiados pela cognição humana, têm possibilitado o avanço social, científico e o desenvolvimento desta nossa civilização.    

Nenhum dos lados desta III Guerra Mundial põe na mesa a carta da maturidade. Entendo que o sistema calcado no individualismo assim aja, pois sua dinâmica se alimenta da disputa, do confronto, da meritocracia, do tensionamento, forças que se chocam com a equânime distribuição de poder mental, fruto da superação da imaturidade. Mas (ainda) não entendo porque o sistema coletivista, tão generoso em seus propósitos e práticas, se comporta do mesmo modo, ou, no máximo, admite a existência do obstáculo (a imaturidade), mas posterga sua superação para um momento futuro, quase utópico.

Não, superar a imaturidade antecede a realização do coletivismo e a prática distributivista. Na verdade, no momento em que Ocidente e Oriente compreenderem esta assertiva (a inevitabilidade de se conquistar a maturidade emocional da espécie) e passarem a atuar conjuntamente em prol de sua realização, mobilizando os recursos e os meios necessários, a ideia do coletivismo se revelará inevitável, pois estará coerente com o princípio norteador da própria espécie humana, o gregarismo. A III Guerra Mundial já começou, mas poderá ser uma boa guerra. Como sempre, depende de nós, os privilegiados habitantes deste planeta.

Pietro Ubaldi (1886-1972), em "Profecias", de 1953, explicita esse futuro possível: “E, dado que a vida é sempre luta contra algum inimigo que obstaculiza a emancipação, desta vez o inimigo não será mais o próprio semelhante, que vamos agredir, mas a nossa própria natureza animalesca, para superá-la e vencê-la. Como se vê, guerra contra ninguém, mas apenas contra as inferiores leis da vida, que ainda sobrevivem no homem, com o fim de sobrepujá-las. A emancipação da animalidade eis a nova conquista; ou seja, um 'requintamento' de vida, não só na forma de fidalguia exterior, mas na substância, que é uma atitude psicológica de compreensão para com o próximo, de ordem na vida social, de bondade para com todos os seres. Embora tudo isso possa parecer utopia, não há outro futuro, se quisermos que haja verdadeiro progresso. Esta é a nova ordem do mundo.”

   

A verdadeira revolução já está acontecendo

Não entendo e, principalmente, não aceito o comportamento de prestigiados comunicadores sociais (incluindo jornalistas e acadêmicos chamados a opinar nos meios de comunicação), quando desconhecem (o que é grave) e/ou desconsideram (o que é desonestidade intelectual) os limites de governos não revolucionários, ou seja, governos escolhidos a partir de regras democráticas. 

Um governo, qualquer que seja, de qualquer país, não existe para impor revoluções, no sentido do rompimento do status quo. As revoluções (científicas, políticas, tecnológicas, econômicas, culturais) decorrem de processos históricos longamente maturados. Não eclodem por artificialismo, ou voluntarismo, mas da somatória de circunstâncias.

Revoluções intentadas a partir da vontade de poucos, ainda que de um grupo coeso, organizado e determinado, estão fadadas ao fracasso. Há de haver, sempre, condições objetivas, que se traduzem no apoio consciente da maioria da população e na reunião dos meios necessários (recursos materiais e econômicos). Sem esses pontos de partida não há revolução.

Desde o fim da II Guerra Mundial, com o mundo polarizado, o suporte externo também passou a ser imprescindível para o sucesso das trocas bruscas de governantes, pois tais mudanças não se tratavam de fato de rompimentos institucionais, de câmbio de regimes políticos, mas de acomodações de poder com o beneplácito de um dos lados da polarização.

Neste século XXI, a partir do avanço do mundo multipolar, o antigo padrão revolucionário mudou, tendo surgido as revoluções ditas coloridas, sempre comunicacionais e, eventualmente, com algum derramamento de sangue. De novo, o que se dá aqui não são de fato revoluções soberanas, ideológicas, porém meras trocas de governantes postos a serviço de outra zona de influência geopolítica e/ou geoeconômica.

Esse preâmbulo se destinou a destacar o seguinte: se o governante de um país não conquistou o poder por via revolucionária, ideológica, sangrenta, mas através de eleições diretas, ou indiretas, só lhe resta governar dentro da realidade que está posta, ou seja, da correlação de forças políticas existente ou construída mediante negociação com os partidos que não integram a sua base parlamentar original.     

Mais: todo governo existe para proporcionar o melhor bem-estar possível aos seus cidadãos, o que é mais verdadeiro ainda quando se trata de governo escolhido pelo voto popular. Isto significa atender com prioridade as demandas de curto prazo; atuar preventivamente para o médio prazo; e preparar as condições para o longo prazo

No rol de desafios de todo governo (e ainda mais dos eleitos, insisto), há ainda a considerar que o médio e o longo prazos, em especial, se inserem nesse novíssimo ambiente das comunicações digitais globalizadas e do avanço da automação algorítmica (executada por máquinas, mas comandada por códigos). O impacto desse novo tempo tecnológico será o aumento exponencial do contingente de pessoas desocupadas, agora denominadas de supérfluas, ou não empregáveis. 

Todo governante que se preze sabe que as pressões sociais serão crescentes, pois em breve os empregos começarão a escassear e haverá imensa demanda por auxílio governamental. Sabe, ainda, esse governante, que medidas preventivas precisam ser tomadas hoje, de modo a que a sociedade esteja minimamente preparada para o 'abominável mundo novo'.

Essas medidas incluem a preparação educacional da juventude, para que alguns ao menos estejam aptos a ocupar os poucos empregos que restarão; a estruturação de meios e modos de apoio aos milhões de não empregáveis; e a aprovação de leis fiscais capazes de fornecer ao Estado os recursos necessários para fazer frente à sua obrigação primeira, que é garantir o bem-estar de todos os cidadãos.

Esse médio e longo prazos, porém, não estão mais muito distantes, como podia se dar até o final do século passado, sob o impacto (apenas) da comunicação de massas (rádio, tv, cinema). Neste século, com o avanço das ciências da computação, e a descoberta de materiais capazes de exponenciar o processamento de dados entre outras facilidades , a velocidade dos prazos médio e longo vem se acelerando.

Tal conjunto de desafios, que está posto a qualquer tipo de governante (até mesmo aos revolucionários), exige que as pessoas que detêm voz e influência sobre parcelas da sociedade assumam sua cota de responsabilidade social e, de certa forma, também política. Não é admissível, por exemplo, que se cobre de qualquer governante aquilo que ele não pode dar, embora seja necessário que se exija dele o que está ao seu alcance.

Agir de forma diferente é irresponsabilidade, comportamento que infelizmente domina os meios de comunicação e parte relevante do mundo acadêmico. Uma irresponsabilidade que não produz efeitos, porque a realidade se impõe. Recentemente, por exemplo, soube-se de um apelo emitido por um grupo do bilionários e especialistas em Inteligência Artificial (IA), externando sua preocupação quanto ao avanço acelerado de plataformas como o ChatGPT.

Apontaram "grandes riscos para a humanidade" e elencaram alguns de seus medos: propagação sistemática e descontrolada de fakenews, ameaça à democracia, perturbações políticas e econômicas, automatização de todos os trabalhos hoje executados por humanos. Entendo, porém, que as justificativas desses bilionários, e seus associados especialistas, esconde outras motivações. Não me parece que estejam exatamente preocupados em defender a democracia, nem os postos de trabalho.

O medo dessa gente é que a quantidade de pessoas supérfluas vai aumentar exponencialmente no médio prazo (senão no curto); essa massa de indivíduos laboralmente inúteis forçará os Estados a bancar suas necessidades básicas (distribuindo dinheiro, como ocorreu no auge da pandemia); e esses recursos vão ter de sair de algum lugar, ou seja, do bolso desses bilionários. Na Califórnia, EUA, está para entrar em vigor uma lei taxando em 5% a venda de propriedades acima de 10 milhões de dólares ou seja, as grandes fortunas , exatamente para fazer frente ao aumento das demandas sociais. E isto é só o começo.

"Gente fina, elegante e sincera"

Tomo o exemplo do Brasil. Após seis anos de governos de extrema-direita, com acento neofascista no período 2018-2022, um candidato reformista, de centro, ganhou as eleições e assumiu a Presidência em janeiro de 2023. 

A campanha eleitoral (que na verdade havia começado em 1º de janeiro de 2019, quando da posse do neofascismo à brasileira patrocinado pelas Forças Armadas e, pasmem!, antinacionalista) foi uma guerra, onde a força do Estado foi colocada a serviço do candidato a duce, sem qualquer contestação ou resistência das chamadas instituições (Legislativo e Judiciário). Bem ao contrário.

Para superar essa monolítica estrutura, o candidato da oposição ainda teve de enfrentar a novíssima máquina de produzir mentiras  fakenews , e assim manipular consciências, que desde meados dos anos 2000 vem se estabelecendo na rede mundial informatizada, a internet, com a conivência das bigtechs do setor.

Isto sem nos alongarmos na explicação de que esse mesmo candidato de oposição havia sido quase destruído, física e politicamente, de 2014 a 2019, porque a oligarquia econômica do país não aceitava que ele pudesse voltar ao poder (quando a ascensão do neofascismo ainda não estava no horizonte), para dar continuidade às políticas de distribuição de renda que havia implementado em sua primeira passagem pela Presidência (período de 2003-2010).

Volto lá: após seis anos de extrema-direita, desesperados com o avanço da destruição do país, segmentos da oligarquia econômica nacional decidiram pedir socorro à liderança reformista de centro; restauraram, na medida do possível, a credibilidade dessa liderança; apoiaram sua eleição; e garantiram a sua posse. Feito isso, imediatamente passaram a fustigá-la, em defesa de seus nacos de poder. 

Até aqui, tudo mal, mas ainda assim tudo bem; nada de novo no front. O que não está bem, embora igualmente não seja uma novidade, é o comportamento dos 'teóricos da revolução', que a todo dia e cada instante manifestam seu inconformismo com as atitudes do governo de centro que (re)assumiu o poder.

Para esses revolucionários de banho tomado, o líder reformista que tirou o país do abismo deveria implantar tal e qual política, adotar esse e aquele comportamento, assumir essa e aquela postura, inclusive e principalmente no plano internacional, caso contrário 'tudo terá mudado para que tudo fique como está' (mais ou menos o que disse um personagem do romance 'O Leopardo', do escritor Giuseppe Tomasi di Lampedusa).

Esquecem esses revolucionários de barriga cheia que o que houve no Brasil, em 30 de outubro de 2022, não foi uma revolução, mas uma (dura) eleição, que quase foi perdida para a extrema-direita neofascista entreguista brasileira.

Na verdade, não é que esses teóricos exatamente esqueçam, ou não entendam, o que se passou naquele 30 de outubro e o que está se passando no país desde aquele dia. O que eles querem, na verdade, é que os outros façam a revolução que eles preconizam. Se não o fizerem, tudo o mais estará errado. E, pior, estaremos perdendo 'mais uma oportunidade histórica de mudar tudo'.

Não é preciso dizer o quanto de insuficiência cognitiva existe nesse tipo de raciocínio. Mas é preciso afirmar que esses revolucionários de sempre poderiam, ao menos, tentar (finalmente) entender que há, sim, uma revolução em marcha. 

Certamente não é o tipo de revolução romântica que eles têm na cabeça  aquela em que o sangue corre nas calçadas e milhões morrem nas ruas, enquanto ele, o revolucionário, refugia-se num país neutro, ou do lado dos prováveis vencedores, onde engendrará a resistência ou, quem sabe?, uma nova revolução.

Não é mesmo esta a revolução em curso, em especial nesta primeira metade do século XXI. A revolução que se desenvolve a todo vapor  ou melhor, à velocidade da luz  é a da total, completa e irrefreável exposição pública das emoções, dos sentimentos e dos medos que a todos governam. É a revolução da Comunicação globalizada.

Nesse contexto revolucionário, para usarmos terminologia da década de setenta, um governo reformista "de gente fina, elegante e sincera", como disse o poeta pop, já será (e é) um ganho enorme, um avanço fabuloso, desde que tenha a habilidade para seguir adiante, paulatinamente adiante.

A conciliação da espécie é incontornável

Embora a rotina cotidiana, as paixões, os desejos, as necessidades de cada um nos impeçam de atentar devidamente para o que ocorre no mundo, o fato é que este planeta está atravessando, neste exato instante, um período crucial para o prosseguimento do Homo sapiens.

A civilização que viemos construindo desde muito antes destes 2.023 anos denominados depois de Cristo cujas raízes históricas nos remetem na verdade às (ainda que) incipientes relações estabelecidas entre aqueles indivíduos dos tempos primordiais , essa civilização está claramente esgotada.

Esgotou-se exatamente agora há pouco — adotando-se o ponto de referência cristão amplamente aceito —, na passagem do chamado segundo para o terceiro milênio. Ao longo desses dois e dos demais milênios que os antecederam, a espécie humana organizou-se dos mais diferentes modos, buscando, teoricamente, a forma mais eficaz de compartilhar a experiência de viver.

Falhamos. porém. Desperdiçamos todas as chances. Erramos inclusive nas tentativas de remediar nossos seguidos fracassos, como é o caso daquele brilhante (mas insuficiente) sistema a que se denominou socialismo científico, formulado em meados do século XIX.

E por que falhamos? Falhamos porque fomos condescendentes com nossa imaturidade emocional simples e trágico assim. O fator psique humana nunca foi levado na devida conta nos arranjos sociais que formulamos.

Há muito sabemos que nossas ações são determinadas pela forma como lidamos com o medo — não o medo disto ou daquilo, mas ele próprio, o medo, esse elemento constitutivo de todos os seres vivos, que se potencializa ainda mais no psiquismo de nossa espécie, pois somos dotados do poder de fazer.

O fato do nosso fazer ser guiado pelo medo é o elemento definidor do nosso sucesso, mas também e principalmente do nosso fracasso. Do sucesso, porque é ele, o medo, que nos desafia a superar obstáculos; do fracasso, porque ele também é responsável por nossas inseguranças e pelos sentimentos e ações que as acompanham: ódio, preconceito, indiferença, violência.  

A tragédia deste momento — e não esqueçamos que a história do Homo sapiens constitui ínfima parte da História grande, a cósmica é que o debate civilizacional reduziu-se, finalmente, à disputa entre dois fabulosos (porque possuidores da força nuclear bélica) contendores: o Ocidente, tendo à frente os Estados Unidos da América; e o Oriente liderado pela China.

EUA x China, China x EUA. Tudo mais são satélites gravitando em torno desses dois eixos, alguns tangenciado a ambos, ainda sem a certeza de que serão bem-sucedidos nessa busca de equidistância. É o caso notório do Brasil, especialmente agora, sob o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Lula afirma com veemência que a sua guerra, a nossa guerra é contra a pobreza e a fome, produzidas pela secular má distribuição de renda. Seu diagnóstico e determinação estão corretíssimos. Resta saber se ele contará com as condições objetivas para liderar essa guerra social interna (o que por si só já seria e será difícil), em meio a um cenário externo aceleradamente mais conflituoso.

Cenário em que os EUA, a potência (nuclear, repito) que declina, recusa-se a ceder terreno à potência (nuclear) que emerge, a China. Por enquanto, hipocritamente — como é frequente, quase uma regra, entre nós, humanos — a tensão entre as duas maiores potências circunscreve-se ao âmbito comercial, como se se tratasse de uma disputa entre cavalheiros.

A carnificina se dá entre satélites de lado a lado, como ocorre na guerra Rússia x Ucrânia. O que se trava ali é a disputa Ocidente x Oriente. É a derradeira tentativa (fadada ao fracasso) de recolocar o Homo sapiens na via do prosseguimento, seja por uma improvável vitória da Rússia, seja por uma impossível vitória da Ucrânia. Improvável e impossível exatamente porque ambos os lados acenam, em última instância, com o uso da solução final, a nuclear.

Lula da Silva, quase solitariamente, tem atuado em defesa do bom-senso, propondo o diálogo entre Rússia e Ucrânia para a superação do conflito. Mas que diálogo seria possível, entre esses dois contendores, se eles próprios não se representam? O que é hoje a Ucrânia, se não um aríete a serviço do ainda presente Império americano? O que hoje é a Rússia, se não a linha de frente da guerra travada pelo postulante Império chinês?

Disse acima fadada ao fracasso porque, mais uma vez e sempre, ignora-se o elemento primordial do teorema tão bem demonstrado na "hierarquia de necessidades", do norte-americano Abraham Maslow (1908-1970): fisiologia/segurança/amor-relacionamento/estima/realização pessoal.

Nem o Ocidente, nem, agora, o Oriente, contemplaram, contemplam ou contemplarão o atendimento de todas as necessidades de espécie humana. Esforçam-se, no máximo, para suprir os patamares mais baixos daquela hierarquia (fisiologia e segurança). Ainda assim de forma insuficiente (como o fez o socialismo científico), pois passam ao largo desse elemento primordial, e também básico, que é a compreensão do medo.  

Este, enfim, é o drama definitivo enfrentado pelo promissor animal surgido há 2,5 milhões de anos, e que há 350 milênios, no Norte da atual África, evoluiria para o Homo sapiens. Não há mais o quê, nem porquê tergiversar. A conciliação da espécie é incontornável. 

Comunicação de Governo para a urgência destes tempos acossados pelo extremismo de direita

No início de 1990, a pedido da Telma de Souza — eleita Prefeita de Santos pelo Partido dos Trabalhadores em 1989 —, que se encontrava acossada pela mídia tradicional da Cidade, elaborei o projeto e implantei o jornal D.O.URGENTE, um Diário Oficial com as notícias administrativas, os serviços prestados pelo poder público, a conferência do noticiário publicado pelos veículos privados sobre a Prefeitura, e muitas outras seções de interesse da população. Por seu pioneirismo e inovação de conteúdo (sem personalismo, proselitismo ou panfletarismo), esse jornal foi um êxito editorial e político, tendo contribuído para o sucesso do Governo Telma, que terminou com 97% de aprovação, segundo o Datafolha.

No início de 2015, incomodado com as pressões de toda ordem que recaíam sobre Presidenta Dilma Rousseff, reeleita em 2014, resolvi pensar a Comunicação Social de seu Governo da mesma forma que havia feito quando da criação do D.O.URGENTE. O texto reproduzido abaixo é o mesmo que foi entregue à Telma em maio de 2015, o qual ela fez chegar às mãos de ministros do Governo Dilma. Nada aconteceu à época. No começo deste novo e crucial Governo Lula, decidi publicar aqui a íntegra daquela proposta de 2015, pois entendo que suas premissas continuam válidas, embora reconheça que, para ser implementada hoje, ela precisaria ser adequada a estes tempos de ainda maior predominância das redes sociais.

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VIA DO ESCLARECIMENTO

Razões, objetivos, operacionalização

As relações sociais estão mudando radicalmente, mas os governos continuam se utilizando de mecanismos antigos para realizar a sua Comunicação com os governados.

Hoje, a opinião pública se forma a partir do acesso instantâneo a sites de notícias, a blogs de divulgação e análises, às ferramentas globais de interação entre indivíduos, como Twitter, Facebook, YouTube e Instagram, entre outros.

Cada vez menos tempo temos para perder diante da TV, lendo jornais e revistas, ouvindo rádio. O público desses veículos está a cada dia mais velho, mais conservador, mais confuso com as manipulações a que é submetido, mais chocado com as mudanças que ocorrem à sua volta e, portanto, mais reacionário.

Há um abismo entre os governos e a sociedade. É no interior desse buraco que se prolifera o que há de pior nas relações humanas, sob o domínio do medo, da desconfiança, da desesperança, da prevalência do interesse individual sobre o coletivo.

Nossa proposta, denominada “Via do Esclarecimento”, visa atuar no gradativo preenchimento desse abismo existente entre o governo e sociedade. Para isso, sugerimos dar início à construção de um novo paradigma na Comunicação do Governo com a Sociedade. Tomar a Sociedade a partir de suas células, que são os cidadãos.

Falar para grandes massas, visando esclarecer as pessoas, é coisa do passado. Hoje se fala para cada pessoa, visando conquistar uma rede de indivíduos esclarecidos, motivados a disseminar os esclarecimentos por eles conquistados.

Neste sentido, pergunta-se: Por quê o lançamento de um novo Programa de Governo deve se limitar a uma solenidade, seguida de uma entrevista coletiva, acompanhada da distribuição de um press-kit e complementada por entrevistas exclusivas para veículos selecionados?

Esta fórmula, frequentemente antecedida e/ou contestada por vazamentos de versões a colunistas da imprensa tradicional, não mais produz resultados eficazes. Se é que um dia produziu.

Não serve para o esclarecimento sobre os objetivos do Programa, muito menos para explicar o COMO aquela iniciativa do Governo impactará o cotidiano das pessoas diretamente envolvidas.

Fica-se, assim, à mercê dos interesses dos grupos empresariais de comunicação e da competência e independência, nem sempre existentes, dos profissionais de imprensa encarregados da interpretação e divulgação dos objetivos do referido Programa.

A “Via do Esclarecimento” visa, exatamente, ocupar esse espaço de desinformação/má informação, preenchendo-o com canal/portal de relacionamento direto Governo-Cidadão.

No portal de “Esclarecimento e Cidadania” a ser criado estarão depositadas todas as informações relativas ao COMO cada Programa de Governo impactará a vida das pessoas.

Essa lista de COMOs será publicada simultaneamente ao anúncio oficial de cada Programa/Ação/Iniciativa governamental, de modo a que qualquer cidadão brasileiro, estando em qualquer parte do Brasil ou do mundo, terá condições de tomar imediato conhecimento do que o Governo está anunciando, sem esperar a intermediação dos velhos meios de comunicação.

E mais: as listas contendo os COMOs do Programas de Governo serão enriquecidas com links de referência, cópias de documentos, fotos-vídeos-memes e tudo o mais que puder ser agregado ao conteúdo das medidas/ações governamentais, construindo o acervo desse portal e o seu aprimoramento.

Desta forma, o portal “Esclarecimento e Cidadania” se constituirá, ao longo do tempo, num ponto de referência para o acompanhamento transparente dos processos administrativos em curso. E num manancial de sugestões, críticas e avaliações das ações de Governo — sob a moderação de seus administradores, para evitar o desvirtuando de seu propósito —, atuando em conjunto com as demais forças de pressão tradicionalmente existentes.

A elaboração dos COMOs de cada medida/ação de governo deve ser feita sob a supervisão de profissionais de Educação treinados no trabalho com jovens e adultos (Programa EJA, por exemplo), de modo a que os esclarecimentos estejam ao alcance de qualquer público.

A equipe encarregada desse processo deve atuar desde as etapas de discussão das justificativas das medidas/ações. Sua tarefa é transformar o complicado em simples. É decodificar toda medida técnica (seja ela da área da administração pública que for), de modo que o assunto e seus desdobramentos sejam plenamente compreendidos por todas as pessoas.

Meu adeus a Pelé

Teve um dia na década de 1970, trabalhando no Jornal da Tarde, na Geral (ou substituindo o Mauri Alexandrino, uma vez, na editoria de Esportes), que eu pus na cabeça que deveria entrevistar o Pelé; buscar dele uma explicação para a frase famosa de que "o brasileiro não sabe votar", que a esquerda festiva explorava à exaustão, para desmerecê-lo.

Minha intenção era veja se pode?! dar ao Pelé a oportunidade de esclarecer o que verdadeiramente quis dizer com aquela declaração.

Na verdade, o que eu queria mesmo era provar que o Pelé não era contra o povo, não menosprezava o povo, mas o criticava legitimamente, pois entendia que o povo, ainda que condicionado pela opressão secular, exercia mal o seu poder, não utilizava a sua força.

Era uma tese que eu tinha, e queria que o Pelé a corroborasse, para que o meu ídolo fosse redimido. Fiz aquilo que nenhum jornalista 'isento' pode fazer, mas fiz.

Foi dificílimo conseguir uma entrevista com ele. Entrei em contato com a escritório do homem, cheguei ao sujeito que era o assessor direto dele (me foge o nome, era um nome meio espanholado, bem conhecido, mas eu não lembro...). Expliquei que queria entrevistar o Pelé sobre aquela frase e ele fez cara de que não tinha muito interesse em agendar o encontro.

Dias depois, numa tarde de calor, estava eu lá jogado na Sucursal do Jornal da Tarde, na Rui Frei Gaspar, no Centro de Santos, à espera de alguma coisa, quando me chamam ao telefone e era o tal assessor do Pelé, dizendo que eu poderia fazer a entrevista naquela hora, imediatamente, que ele estava me esperando no escritório dele, ali perto da Sucursal.

Parti pra lá sem saber absolutamente nada do que iria perguntar. Tinha apenas a tal frase na cabeça. Cheguei, me levaram pra sala da secretária e logo depois me mandaram entrar na sala do Pelé. Ele estava sentado na mesa dele, com aquele sorriso, meio curioso, tendo ao lado, de pé e às vezes sentado, o Pepito ou Paquito (acho que era um desses o nome do sujeito).

De cara, esse Pepito ou Paquito me disse: "Não pode gravar nada (tudo bem, eu nem tinha gravador!) e também não pode anotar nada". Aí eu entrei em pânico, porque o ato de anotar é principalmente a possibilidade de registrar palavras-chaves, para depois reconstituir a conversa. Eu, particularmente, não tenho memória de elefante; minha memória é mais visual.

E foi assim, em pânico, que comecei a 'conversar' com o Pelé, mais preocupado em lembrar o que ele estava dizendo do que em pensar sobre o que ele dizia para preparar a pergunta seguinte. Ah, sim, o tal do Pepito ou Paquito, no final, ainda decretou: "Queremos ver antes o que vai ser publicado".

Saí de lá, depois de não muito tempo, em choque e revoltado, pois não admitia submeter minha matéria à aprovação do entrevistado. Fui pra Redação. Sentei na máquina e escrevi uma merda de matéria, acho que a pior da minha vida, pois deu um branco; eu simplesmente não lembrava de nada do que o Pelé havia dito.

Mesmo assim mandei o texto, um pequeno texto, acho que pouco mais de uma lauda, pra Redação em São Paulo, alertando que tinham me pedido para mostrar antes, mas que eu não havia feito isso.

Bom, o jornal não publicou, mas dias depois li uma matéria anódina de outro jornalista da Redação paulistana, que havia estado em Santos e entrevistado o Pelé exatamente sobre o que eu havia escrito no meu texto.

Sem dúvida que era uma matéria muito mais rica e extensa do que a minha, mas não esclarecia em nada sobre as verdadeiras intenções do Pelé com aquela famosa frase, "o brasileiro não sabe votar". Ao contrário, nas entrelinhas reafirmava o chavão esquerdista de que 'o Pelé não tinha jeito mesmo, era um alienado'. É claro que não estava escrito assim, mas o subtexto dizia isso.

Hoje, depois que saiu a notícia da morte (esperada) de Pelé, eu chorei um pouco. Acho que foi também pela matéria que eu não soube fazer com ele.

Bom, pelo menos eu apertei a mão de uma lenda e disse, lá para os meus botões: "Obrigado pelas alegrias que você me proporcionou".

Talvez tenha sido este o real motivo de eu ter insistido tanto em entrevistá-lo.

Descanse em paz, Pelé!

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Resolvi publicar aqui este texto (que escrevi para minhas filhas e filho no dia da morte do Pelé, 30 de Dezembro de 2022), depois de acompanhar no canteiro central da avenida da praia do Boqueirão, em Santos, a passagem do cortejo do Pelé, neste glorioso 3 de Janeiro de 2023. Glorioso dia porque pude acompanhar pela televisão o longo e emocionante velório realizado no exato meio do gramado do campo da Vila Belmiro --- onde tantas e tantas vezes vi Pelé jogar, ou "se apresentar ao público", como muitos hoje reconhecem --- e também testemunhar a homenagem prestada ao Rei do Futebol pelo não menos fabuloso Luiz Inácio Lula da Silva, há três dias empossado (pela terceira vez!) Presidente do Brasil.

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Veja aqui um pouco do cortejo do Pelé pela avenida da praia de Santos, São Paulo, Brasil.