Chega de ilusões, caralho!

O pior tipo de semeador de ilusões é aquele indivíduo que teve a oportunidade de adquirir conhecimentos formais; a essa formação adicionou vivências variadas, proporcionadoras de aprendizados enriquecedores; pôde refletir sobre a vida e a natureza das coisas e, apesar de tudo isso, rendendo-se às conveniências da vaidade — em evidente falha de caráter , reduz suas pregações a falsas verdades.

E a mais falsa 'verdade' que se propaga nestes dias é exatamente essa vã esperança de que os movimentos geoeconômicos e geopolíticos realizados por China e Rússia — em contraposição ao decadente statu quo liderado pelos Estados Unidos da América — conduzirão nosso planeta a um verdadeiro avanço civilizacional.

Isto não é verdade. Não do modo como está colocado.

O erro (ou má-fé) do projeto posto em prática pela aliança sino-russa está em apostar na derrocada econômica e consequente esvaziamento do poder de seu nomeado adversário, com o propósito de um dia vir a ocupar seu lugar na liderança do planeta.

A má-fé por trás desse propósito está em que ele finge ignorar o fato de que o estado de equilíbrio das relações internacionais se encontra, desde os dias 6 e 9 de agosto de 1945, sob a égide do uso da energia atômica para fins bélicos. Junto com as duas centenas de milhares de pessoas imediatamente mortas em Hiroshima e Nagasaki, naqueles dias a Terra iniciou a derradeira etapa de sua oportunidade civilizatória.

A corrida pelo desenvolvimento de novas, disseminadas e mais potentes armas nucleares, que se deu a partir de 1945, apenas obedeceu a um roteiro esperado e inevitável. Hoje, como sabemos, os países detentores desses arsenais — EUA e Rússia à frente — possuem a capacidade de destruir por várias vezes a vida no planeta.

Este é o verdadeiro statu quo do mundo. Diante deste estado de permanente tensão, qualquer iniciativa orientada apenas por conveniências políticas e/ou econômicas unilaterais está fadada ao fracasso. Ou seja, condenada a se transformar em uma ilusão alimentada por irresponsáveis semeadores.

Sim, porque nenhum império nuclear cederá poder passivamente, assim como nenhum império nuclear conquistará poder amigavelmente. Nesse sentido é que o projeto sino-russo, infelizmente, segue seu curso para o fracasso inevitável, além de fomentar o risco de autodestruição de nossa espécie.

Digo infelizmente, porque já não resta muito tempo ao planeta. Além da permanente ameaça nuclear, temos o desafio de superar a pobreza, os riscos biológicos e a crise climática, questões existenciais que nossa incapacidade de entendimento também impede de serem enfrentadas.

Penso que se China e Rússia querem mesmo promover um novo patamar civilizatório, não o conseguirão pela via impositiva que estão tomando. O único caminho que lhes (nos) resta é o da conciliação de interesses, priorizando-se os problemas imediatos e capazes alcançar consenso, como parecem ser as questões da pobreza, a climática e a biológica.

Sabemos que o enfrentamento de qualquer um desses desafios demandará muitos recursos financeiros, o que poderá (ou deverá) desestimular as guerras em curso, contrariando os poderosos interesses da indústria bélica. Não seria (será) fácil alcançar um armistício planetário, mas ele é o único caminho  com potencial de sucesso.

Louvar o projeto sino-russo, ignorando suas falhas de formulação, e até mesmo os riscos envolvidos como vêm fazendo influentes formadores de opinião , é semear fantasias em troca de aplausos fúteis, que só servem para perpetuar o belicismo e alimentar vaidades. Este momento da História de nossa espécie exige maturidade intelectual. Chega de vender ilusões.