João Itagiba

Reproduzo aqui, antes que me esqueça, artigo que publiquei no extinto "Jornal Local", editado em Santos-SP, em 24 de março de 2001:

— Gostaria de viver sempre onde não estou.

Mestre João Itagiba — meu "professor emérito" preferido, marco na vida de tantos santistas e paulistanos — me disse outro dia, quando por milagre o encontramos quase em frente ao prédio onde tem apartamento, na Avenida Conselheiro Nébias. Disse e deu aquele sorriso maroto, sua marca registrada, como se nos desafiasse a desvendar a charada.

Bom, conheço o Itagiba há mais de 30 anos. Tornei-me seu amigo — título que detenho como um troféu íntimo — desde os meus primeiros dias no curso noturno do Clássico, no Colégio Canadá, final da década de 60.

Sei que com ele o diálogo é rápido e desafiador. E devolvi:

— Isso é bom, porque assim você estará sempre por chegar.

Ele disse "sim", e a conversa continuou animada, feliz, sem saudosismo mas crítica em relação ao emburrecimento das novas gerações, por conta principalmente da falta de estudo da Filosofia no currículo do que hoje conhecemos como 2º Grau.

Lembrei-me, por exemplo, de ver o mestre no pátio do Colégio Canadá no final dos anos 60, estando o País sob a ditadura, prevendo um futuro negro para o Brasil ao tomar conhecimento da retirada da Filosofia do ensino secundário. Por obra do sr. Jarbas Passarinho, ministro da Educação (?) da época.

Filosofia, para os governantes daqueles anos, era uma escola de subversão. Ensinar a pensar, a separar o trigo do joio das informações inúteis que nos massacram cotidianamente (já naquela época era assim), a identificar falácias e proposições falsas, mostrar aos jovens que o pensamento é uma estrutura impressionante e bela, enfim, seria para os donos do poder a promoção da insatisfação e da revolta juvenil. Era preciso emburrecer as novas gerações, direcionar o currículo escolar para o tecnicismo.

Destruíram uma coisa, e não realizaram a outra. Lamentável. Totalmente lamentável. Crime de lesa-humanidade.

João Itagiba é uma lenda. Viva, felizmente.

Está idoso, arqueado; fala baixo, pausado, mas continua firme. Contou-me que tem se dedicado a discorrer sobre Estética nas aulas que ministra na Faculdade de Filosofia da UniSantos. "Um vômito pode ser belo", diz, por exemplo, aos alunos...

Feliz transgressão, professor. No próximo 28 de dezembro eu lhe direi obrigado.

Texto produzido em 4/11/2017