Restou um grito

O que restou desses dias olímpicos no Brasil, os primeiros a se realizarem nesta latinoamérica, foi um grito. E vendo o que o Japão nos apresentou ao final da cerimônia de encerramento do chuvoso domingo à noite, 21 de agosto de 2016, no Rio; lendo as primeiras notícias do que nos espera em Tóquio, daqui a quatro anos, vejo que vivemos uma radical transição civilizatória marcada pelo fim das relações humanas diretas, aleatórias, intuitivas, emocionais, criativas.
  
Em seu lugar, vai se estabelecer o que já está aí, bem desenhado, pela cultura pokemon-go: a previsibilidade codificada, livre do imponderável, sem as surpresas das relações inesperadas, sem os sustos das esquinas, sem sorrisos, sem gargalhadas e, certamente, sem vaias deseducadas. No lugar de tanta humanidade, a robótica nos conduzirá a práticos hotéis, espetaculares estádios, precisos assentos, diversificados restaurantes, passeios encantadores e, se quisermos, mesmo, a 'proibidas' diversões.

Tudo isso sem que a nossa comunicação básica, prática e utilitária sofra os percalços da diversidade linguística. Sim, porque até lá teremos adicionado a alguma parte do nosso corpo um gadget que traduzirá para o idioma do portador o que afinal se precisa saber para ir daqui ali, o que comer, o que dizer quando alguém gostar de você. 'Brave new world' em acelerada gestação tecida por algoritmos proprietários, inacessíveis. Basta de amadorismo! Welcome corporations of the new era.

Não estou melancólico, nem antecipadamente saudosista. Este é, sim, o caminho do homem. Nossa espécie haveria de passar, inevitavelmente, pelo deslumbramento tecnológico. Estava, está 'escrito nas estrelas' que essa é mais uma síntese da eterna dialética vislumbrada por Hegel (desculpem, meus filhos, se isto lhes parecer presunção). Não será o fim. Nem mesmo o início do fim.

Por isso e pelo que virá — inclusive as chuvas de meteoros artificiais, em lugar dos superados fogos de artifício; a celebração galáctica, imposta-subjugadora, ao invés desta terrena, explosiva-libertadora — penso que o grito que restou dos dias olímpicos brasileiros foi de desespero.

Texto produzido em 22/08/2016