Logo saberemos

As religiões já eram. Ainda permanecerão por aí algumas dezenas ou centenas de anos, a explorar as esperanças e a fé cega alheias, mas, cada vez mais, já eram. Tiro essa conclusão não apenas ao constatar a desfaçatez da pregação dos auto-intitulados líderes religiosos de todos os matizes, latitudes e credos, ou ao observar o comportamento hipócrita daqueles que se dizem seus fiéis praticantes.

O que me leva a tal conclusão é também o fato de que cada vez mais pessoas do meu círculo de conhecimento vêm rompendo o elo da religiosidade que herdaram de seus antepassados, recusando-se a passar a seus filhos os dogmas e rituais que sustentavam suas crenças. Não, não são pessoas intelectualizadas, céticas, agnósticas; são pessoas comuns, filhas do que se convencionou chamar de classe média, habitantes de grandes centros urbanos, expostas à cultura do consumismo e vítimas moderadas dos apelos do mercado.

Esse é o perfil médio das pessoas que conheço, mas não posso afirmar que se trate de uma regra a ser aplicada a todas as que adotam essa nova atitude — é possível que em muitos casos tal atitude tenha outras justificativas, ou até mesmo decorra da troca de um deus transcendental por outro capaz de suprir necessidades mais terrenas e mundanas.

O que me parece não uma regra mas uma tendência já bem instalada no sociedade urbana — e mais de 50% dos 7 bilhões de habitantes da Terra vivem hoje em cidades — é a frouxidão dos vínculos religiosos das novas gerações, resultado da decepção daquelas que as precederam, o que, cumulativamente, transforma-se numa convicção sutilmente transferida a seus descendentes.

Mas não nos enganemos: intelectualizado ou não, o homem é incapaz de declarar-se emancipado do absoluto. Pode até racionalmente desprezá-lo. Mas está intrinsecamente impedido de alcançar essa teórica emancipação, dada a incontornável consciência de sua finitude concreta e o eterno desconhecimento acerca de seu destino. As religiões já eram. Talvez agora venha a prosperar a prática de alguma tolerância terrena. Logo saberemos.

Texto produzido em 8/11/2013