A ideologia como um vício

A luta de classes é uma tese cativante, quase imbatível. Fundada no conceito (cristão) da redenção, do resgate da parcela majoritária da sociedade — os desde sempre explorados —, transformou-se em matriz de uma escola de pensamento e numa usina de práticas perfeitamente coerentes.

A escola retroalimenta-se dos fracassos das práticas — ou seja, reformula a macroteoria sob outras óticas, assimilando as variáveis determinadas pela expansão da complexidade das relações sociais e econômicas de cada época — e, após autocrítica periódica (na academia e/ou nos fronts de luta), o sistema todo se recompõe, até que novas práticas resultem em renovados fracassos. Ad aeternum.

Trata-se, na verdade, de um vício do pensamento voluntarista, de uma armadilha sociológica até certo ponto confortável, porque ocupa nossas ações e preenche nossa alma de sentimentos nobres. Ou apenas isto: um moto perpetuo a nos embalar vida afora.

Fugir desse buraco negro ideológico, que a tudo atrai e engole, não é tarefa fácil.

Mas, há, sim, uma força capaz disso.

Refiro-me à constatação, hoje óbvia (para quem se dispõe a olhar além do pensamento voluntarista), de que o sistema entrópico sob o qual vivemos tem sua origem não nas relações sociais construídas pelo homem — e sobre as quais repousa a tese insuficiente da luta de classes —, mas nas relações de poder que se estabeleceram milhões de anos antes, quando nossa espécie transitava da condição de hominídeo para a de Homo sapiens e Homo habilis.

Foi ali que se estabeleceu o que viríamos a ser e somos.

Aceitar este fato, estudá-lo, interpretar as ações humanas a partir dos sentimentos constituídos nos momentos fundadores da psiquê do Homo sapiens — esta é a tarefa, a missão que nos resta a cumprir. O nosso dever cósmico, digamos assim.