É preciso voltar ao princípio

Não acredito que a nossa falência na defesa da vida e, por consequência, na preservação da Terra, possa ter sucesso sem que façamos um total e definitivo esforço (antropológico?) em busca dos elementos desencadeadores do ethos autodestrutivo que domina as ações humanas, desde os primórdios da espécie.

Estou convicto de que todos os atos humanos resultam das interações vivenciadas pelos sentidos e retidas em nosso subconsciente ainda quando se dava a transição do hominidae ao homo sapiens. Ou seja, quando principiamos a nos agregar já trouxemos para o grupo um enredado de traumáticas experiências, as quais viriam a constituir os componentes psíquicos determinantes das relações de poder que passaram a se estabelecer.

Trouxemos, essencialmente, o medo de perigos reais e imaginários, fruto de nossa absoluta ignorância sobre tudo. Viemos à vida como crianças e da infância emocional pouco nos afastamos ao longo desses 200 mil (?) anos. E foi com o medo (os medos) que erguemos nossas defesas mentais e físicas, traduzidas, de um lado, pelas práticas que levaram, bem mais adiante, à constituição de um Contrato Social; e, de outro lado, pelas regras que garantiram aos mais fortes de físico ou de astúcia os melhores quinhões do que viesse a ser conquistado.
    
Agregados pelo medo, os pequenos grupos multiplicaram-se em outros. Disseminaram-se no espaço. Projetaram-se no tempo. Reuniram-se em sociedades, países e impérios, sempre fiéis descendentes da centelha produtora do impulso originário da espécie. O resultado que hoje temos é uma sociedade estruturalmente complexa, rica em culturas, sofisticada em ciências, avançada em tecnologias, mas profunda e doentiamente imatura.

Os filósofos foram os primeiros a identificar este fato. Um deles, Immanuel Kant (1724-1804), tem um ensaio fundamental sobre esta questão — "O que é o Iluminismo?""A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria, se a sua causa não residir na carência de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo, sem a guia de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento!", dizia Kant, em 1784.

Não iremos adiante, se não voltarmos ao princípio. Se não mobilizarmos a nossa capacidade individual de tomarmos decisões guiadas principalmente pela Ética. Se não compreendermos o(s) medo(s) que nos submete(m). Persistiremos nos erros que temos cometido, agora potencializados pelos avanços das ciências e das tecnologias, se não tomarmos as rédeas da busca/conquista da nossa Maioridade.

Se o Estado não nos proporciona as ferramentas educacionais para o pleno exercício da imprencindível Maioridade (e o Estado não o fará nunca, porque sua existência depende da obediência cega a valores, códigos e normas ditadas por outrem, inclusive por gente como Temer e Trump), esta tarefa transcendental cabe a cada um de nós.

Cabe-nos transmitir aos nossos filhos as lições de liberdade e independência intelectual que houvermos aprendido ao longo da nossa trajetória, e torcer para a cada geração mais se consolide a coragem de servir ao nosso próprio entendimento sem a orientação de outros. O destino da Humanidade depende disto, e não de algum plano escroto posto em prática por esse pacto egoísta de corporações transnacionais.

É mais um menos como nos alertava Caetano Veloso, em "Divino Maravilhoso" (1969), na voz rasgada de Gal Gosta:
É preciso estar atento e forte
Não temos tempo de temer a morte. 

Texto produzido em 18/08/2017