Vivíamos
os dias tenebrosos de 2014. Dilma Rousseff, primeira mulher a ocupar
a Presidência da República do Brasil, disputava uma eleição
duríssima rumo à conquista de seu segundo mandato.
Enquanto
isso, diante de nós, sociedade, gestava-se um monstro. Não uma
dessas aberrações clássicas do imaginário coletivo, cheias de
dentes afiados e garras dilacerantes, que expelem jatos de fogo,
babas pegajosas, venenos fatais.
Não.
O monstro que se constituía era um muro destinado a nos impedir a
visão da realidade. Um paredão de pedra que se materializava a cada
dia; dessas pedras quase lisas, de escassas saliências e poucas
frestas, que desafiam os melhores alpinistas.
Essa
imensa parede tinha
nome: “Operação Lavajato”. Sediara-se na 13ª
Vara de Justiça, em Curitiba, Paraná, sob
o comando de um certo juiz Sérgio Moro. A Moro respondia uma força
tarefa constituída de policiais federais e procuradores do
Ministério Público, também federal, liderada por um rapaz imberbe
(no sentido capilar, mas principalmente no figurado, de um
inexperiente e despreparado), conhecido como Deltan Dallagnol.
Nos
métodos, a Lavajato inspirou-se na Mani
Pulite (Mãos
Limpas), a operação desenvolvida pela Justiça da Itália, de 1992
a 1996, para desbaratar as ligações do mundo político daquele país
com os esquemas de corrupção envolvendo o Banco do Vaticano, a
Máfia e a loja maçônica P2. Nas origens, porém, a história era
diferente.
Lembremo-nos
que em 2006 a Petrobras - Petróleo Brasileiro S.A. (a estatal
brasileira criada no início dos anos 50 do século passado,
voltada à exploração e refino de petróleo; distribuição e
venda de derivados) havia anunciado a descoberta do Pré-sal, uma
extensa camada de rochas carbonáticas localizada entre a costa
ocidental da África e a oriental da América do Sul, onde se
encontrou um imenso depósito de matéria orgânica transformada em
óleo. Isto sob uma lâmina d'água de 1.000 a 2.000 metros e de
4.000 a 6.000 metros abaixo do leito do Atlântico.
O
Pré-sal estava ali há 120 milhões de anos. Constituía uma riqueza
magnífica para o Brasil (avaliada do ponto de vista do modelo de
civilização que hoje temos, totalmente dependente dos
hidrocarbonetos). Uma oportunidade histórica para a refundação do
nosso País, agora possível de ser construído sobre bases
redistributivas, inclusivas, democráticas, realmente voltadas para a
totalidade de seus habitantes e cidadãos.
Tanto
potencial despertou a cobiça e a imediata mobilização dos
mecanismos do Estado Mundial Profundo do Ocidente (em particular).
Vamos
ser honestos: Pela ótica da ordem mundial vigente, de que
interessava ter um país do tamanho do Brasil (8.516.000 km²;
população de 212,6 milhões habitantes) assumindo protagonismo
econômico (quiçá político) ao Sul do Equador, àquela altura do
jogo de xadrez que se desenvolvia no planeta?
"Esse é o cara", a frase de Barak Obama em 3 de abril de 2009, apontando o dedo para Lula num encontro em Londres, não era de fato um elogio. Era a indicação talvez rancorosa, talvez perversa, a qual (não muito tempo depois) passamos a entender: 'Esse é o cara a ser destruído; ele, seus sucessores e o país que ousam pensar e construir'. E assim passou a ser feito.
Não
importava se esse país candidato a emergente era (e é) um Estado
pacífico, signatário dos tratados de não-proliferação nuclear,
praticamente desarmado. Não importava se o brasileiro era (e é)
um povo amigável, receptivo, criativo, diversificado,
solidário, tolerante, culturalmente rico e perseverante.
Não
interessava…
Segundo
aquela ótica vesga, exclusivista, egoísta, melhor seria abortar
desde logo tal ousadia.
Em
meados de 2015 soubemos, por meio de documentos revelados por Edward
Snowden, que a presidenta Rousseff, bem como os dirigentes da
Petrobras, vinham tendo seus telefones grampeados pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês). Ou seja, alguém muitíssimo poderoso queria
conhecer (e conheceu) todos os segredos possíveis sobre as reservas
de hidrocarbonetos do Pré-sal brasileiro.
Como
uma orquestra, vários naipes de instrumentos passaram a ser
acionados visando obter a posse dessa riqueza. Não pelo velho e
desgastante caminho da guerra quente, como ocorreu no Oriente Médio,
mas por meio da guerra híbrida, essa nova modalidade tornada
possível a partir de meados dos anos 1990, com o advento da
comunicação digital e, posteriormente, o surgimento das redes
sociais planetárias.
Foi
nessa conjunção de fatores que outros interesses geopolíticos,
associados às corporações transnacionais, passaram a mobilizar
suas armas e recursos com vistas à subjugação do Brasil. O caminho
escolhido (ou a narrativa, como hoje se diz) foi a luta anticorrupção
com pitadas de anticomunismo, agora denominado combate ao marxismo
cultural.
Para
isso, preventivamente, realizou-se no Rio de Janeiro, em 2009, um
seminário de cooperação internacional promovido pelo Departamento de Estado norte-americano, com a participação de
membros selecionados do Ministério Público, Polícia Federal e
Judiciário. O nome era “Projeto Pontes: construindo pontes para a
aplicação da lei no Brasil” e, dentre os convidados, o ainda
desconhecido juiz Sérgio Moro. Participaram, também, representantes
do México, Costa Rica, Panamá, Argentina, Uruguai e Paraguai.
Na
oportunidade, Moro discorreu sobre os “cinco pontos mais comuns
acerca da lavagem de dinheiro” no Brasil e aprendeu com os
promotores do evento os segredos da “investigação e punição nos
casos de lavagem de dinheiro, incluindo a cooperação formal e
informal entre os países, confisco de bens, métodos para extrair
provas, negociação de delações, uso de exame como ferramenta, e
sugestões de como lidar com Organizações Não-Governamentais
(ONGs) suspeitas de serem usadas para financiamento ilícito”.
Arregimentados,
doutrinados e treinados os agentes executores internos, restava pôr
em marcha o plano de recolonização do Brasil.
A
‘corrupção institucionalizada’ era fácil de apontar e provar.
Afinal, ao longo da primeira década dos anos 2000 o Brasil e a
Petrobras, em particular, estavam entre os países e as petrolíferas
que mais investiam no mundo. Na Petrobras, o ápice foi 2011, quando
se registrou um investimento anual superior a US$ 16 bi, dos quais
80% destinados à Exploração & Produção (Pré-sal) e o
restante ao Abastecimento (Refino).
Num
ambiente como esse, em que se realizavam milhares de obras e se
implantavam incontáveis serviços e programas sociais
simultaneamente, seria impossível que não ocorressem desvios,
cobranças de sobre preços, roubos de maior ou menor monta cometidos
por agentes do Estado ou de empresas estatais, em conluio com
empresas privadas e seus representantes.
Para
coibir tais práticas danosas, bastaria investigar seus atores ativos
e passivos, fossem quem fossem; puni-los; recuperar o dinheiro
desviado, e preservar as empresas envolvidas, como ocorre em todo o
mundo civilizado. Mas, não. Tais providências não bastavam à
narrativa que se pretendia imprimir no imaginário popular: era
preciso mais.
Era
preciso apontar nomes, identificar o capo
di tutti i capi,
o chefe; personalizar ‘o maior esquema de corrupção de todos os
tempos’ e, por fim, apossar-se do Pré-sal em definitivo.
Todas
as ferramentas estavam agora à disposição desse projeto, inclusive
e principalmente a entusiasmada adesão do capital financeiro
interno, as tais ‘elites econômicas’; de expressivos segmentos
do sistema de justiça; de importantes militares entreguistas; e dos
meios corporativos de comunicação sempre dispostos a servir aos
poderosos.
Cumprindo
fielmente o roteiro, a Lavajato apresentou-se
majestosa e sólida frente aos olhos e o coração das parcelas
sociais menos atentas —
que
são a maioria —, prometendo redimir o País de todo e
qualquer roubo de dinheiro público, para isso estabelecendo as
seguintes premissas: a) O Brasil era a nação mais corrupta do
planeta; b) O PT, Partido dos Trabalhadores, que então conduzia o
governo da República, era o gestor dessa imensa corrupção e
merecia ser destruído; e c) Luiz Inácio Lula da Silva, Presidente
da República no período 2003-2010, anterior a Dilma Rousseff, era
o capo dessa
imensa quadrilha e deveria ser banido da vida pública.
À
luz dessas proposições a Operação deu partida aos seus
intentos: destruir o PT, encarcerar Lula, enfraquecer ou, se
possível, conter a Petrobras frente às suas concorrentes
internacionais e, de passagem, também inviabilizar as megaempresas
de construção pesada brasileiras, cujos negócios já se espalhavam
pelo mundo; desmontar a indústria naval; interromper o programa do
submarino nuclear do País e tudo o mais que fosse possível e
necessário para submeter o Brasil, rebaixá-lo à condição de
quintal do Império, de onde nunca deveria ter ousado sair.
No
meio do caminho, os agentes lavajatistas vislumbraram a
possibilidade de se constituírem em partido político, tornarem-se
ministros de Estado, deputados federais, senadores, presidentes da
República. Tudo a ser financiado com o dinheiro a ser repassado à
tal Força Tarefa pela Petrobras e grandes empreiteiras, à guisa de
ressarcimento pelos danos causados à sociedade. Uma fundação seria
criada para receber esses recursos, a serem geridos
pelos lavajatistas. Um golpe de mestre, como se vê.
Esse
foi o paredão de pedra que, sorrateiramente, se ergueu diante dos
olhos da opinião pública brasileira e, num primeiro momento, também
da opinião pública mundial. Escalar esse formidável obstáculo,
alcançar seu cume, ultrapassá-lo e mostrar a verdadeira face
da realidade àqueles que haviam ficado para trás, submetidos
às manipulações e ignorâncias, foi (tem sido) o maior desafio das
pessoas de pensamento independente e crítico desta nossa geração.
Nesse
processo, a Petrobras foi quase destruída, com a entrega de valiosas
áreas do Pré-sal a grande petroleiras internacionais (algumas,
ironicamente, estatais em seus países); as megaempreiteiras
brasileiras estão liquidadas, lutando para se manterem vivas;
milhões de empregos foram eliminados; a miséria e a fome voltaram
ao País; o ódio se instalou nas relações sociais e se abriu
caminho para a eleição dessa aberração criminosa chamada Jair
Bolsonaro, que nos (des)governa desde 2019.
E
tudo isso para que? Para a Lavajato recuperar,
concretamente, cerca de R$ 14 bilhões (US$ 3 bi) desviados
pela corrupção, enquanto gerou um prejuízo de R$ 142,6 bilhões
(US$ 30 bi) apenas em seu primeiro ano de atuação. Os números
finais ainda estão sendo contabilizados.
Pois
bem, sempre acreditei que é impossível cavalgar o Caos. No instante
em que, motivado pela arrogância e o voluntarismo narcisista, se
abre a Caixa de Pandora e se libera os males ali contidos, desde esse
instante não há quem, seja homem, Estado ou Corporação, capaz
de cavalgar as consequências advindas.
Ainda
mais no mundo de hoje, em que a privacidade deixou de existir, mas a
vaidade e a cobiça (duas das fraquezas deste ser imaturo que somos)
continuam presentes e ativas na psique da espécie.
E
foi assim, encontrando fissuras sutis e firmando os pés em leves
saliências que se deu a escalada daquele paredão que parecia
intransponível.
Há
muitos combatentes nessa jornada épica. Dentre eles um
personagem da cidade de Araraquara, estado de São Paulo, de nome
Walter Delgatti (um quase Edward Snowden), que, por
bisbilhotice, invadiu a conta do Telegram de
um procurador federal por quem nutria admiração (Deltan Dallagnol,
que ironia!), e ali se deparou com informações sobre as quais
não poderia calar. E, assim, deu ao conhecimento da sociedade
brasileira os crimes, as injunções, o método, os propósitos, o
conluio montado pelos integrantes da Operação
Lavajato em
detrimento dos interesses do Brasil.
A
provável vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de
Outubro deste ano (conforme apontam todas as pesquisas de opinião
semanalmente divulgadas em nosso país), tornada possível após
a anulação, pelo Supremo Tribunal Federal, dos processos contra
Lula, bem como o desmascaramento do ex-juiz Moro, de Dallagnol e de
seus asseclas, há de inaugurar um novo tempo para esta nação.
Transpusemos/derrubamos
o sombrio paredão de pedra. Os
ventos da (re)civilização podem de novo voltar a soprar sobre o
Brasil.
Que
o mundo tenha a sabedoria de reconhecer e aproveitar a riqueza deste
(novo) parceiro que renascerá das cinzas. Mas se não
a tiver, tanto faz. Nós seguiremos adiante.