Tenha modos, rapaz!

Não sabemos nada de nada, ainda, após tantos anos construindo esta civilização. Mas o que sabemos não pertence a ninguém, em particular. Por isso, é risível quando alguém se vangloria de ter 'descoberto' isto ou aquilo; ainda mais quando se ouvem protestos sobre direitos autorais, sejam lá do que forem.

O que sabemos é consequência de uma linha de pensamento que vem sendo captada pelos sentidos, pela intuição, e processada pelo entendimento, desenvolvendo e enriquecendo a cabeça do ser cósmico que somos. Isto desde o começo; desde o instante em que se deu o grande clarão atmosférico e aqueles que viviam ao léu souberam que o medo era o motor de cada um.

O que fazemos e como agimos, desde então, é resultado de ideias que vêm sendo gestadas há milênios, mais as experiências que produzimos no contato cotidiano com nossos iguais, os demais integrantes da nossa espécie. O resto é o velho argumento capitalista destinado a promover a acumulação de renda pela minoria — tanto quando o questionável direito a heranças — e a posse de bens quase sempre inúteis, desnecessários, excessivos. E, nesse sentido, esse resto deve ser relativizado.

O conhecimento circulante pertence aos habitantes deste planeta e à época em que ele é utilizado. Se uma descoberta importante, em qualquer ramo, foi formulada por esta ou aquela pessoa física (as jurídicas são apenas exploradoras do suor alheio, e assim devem ser tratadas), essa ideia deve ser comemorada, disseminada e seu autor reconhecido, festejado até; nunca tornado proprietário de sua utilização, pois isto amesquinha o caráter do indivíduo.

Propriedade autoral? Ora, tenha modos, rapaz!


Texto produzido em 16/10/2013

Simplificando tudo

Eu não gosto do jeito de jogar do Barcelona de Messi e Iniesta. Penso que aquilo não é exatamente futebol, mas "doistoquismo", uma variante desse esporte normalmente praticada nos treinamentos de posse de bola pelas equipes, levada aos 90 minutos regulares de uma partida. 

Considero, até, que deveria ser criada uma Federação Internacional de Doistoquismo (FID), onde se abrigariam os times interessados em praticar a modalidade, e todos seguiriam suas vidas, felizes. Mas tal coisa não vai acontecr, então, enquanto Messi e Iniesta tiverem fôlego, muitas outras vitórias do Barcelona haverão de ocorrer, construídas em cima da exasperação mental e do esgotamento físico de seus adversários.

Se isso que o Barcelona pratica é quase um antifutebol, pois circunscreve a curtos trechos do vasto campo o confronto entre as equipes na disputa pela bola e na busca pelo gol — retirando do esporte original a beleza de sua amplitude plástica (a propósito, nos jogos do Barcelona deveria ser obrigatória a distribuição de binóculos para a platéia) —, se isso é quase um antifutebol, repito, a modalidade "doistoquismo" ao menos serve para uma coisa: demonstra por A mais B que simplificar é sempre uma opção eficaz; mesmo que simplificar signifique arriscar um passe mais ousado, apostando no desconcerto físico do seu marcador.

O poder da simplificação cabe bem neste momento da história, em que se discute se o advento da internet e das redes sociais faz ou farão diferença nas relações entre as pessoas, em especial nas relações políticas. Atordoados pela realidade em progresso, desconcertados mesmo, pensadores apegados aos velhos dogmas de esquerda contestam a força de novidade, apontando o perigo de que ela se destine a excluir — por exemplo — a intermediação dos partidos no exercício da democracia. Quase do mesmo modo, pensadores apegados aos velhos dogmas de direita se iludem, julgando que o comando das ações lhe pertence, apenas porque dominam os tais meios de produção.

Pois o futuro não parece descortinar nem uma coisa nem outra: a intermediação de partidos políticos não deixará de existir (apenas será diferente) e os usuários dos aparelhos eletrônicos conectados não haverão de ser sempre manipulados (os partidos políticos, entre outras coisas, terão a função e o dever de esclarecê-los). É simples assim, como o "doistoquismo". O resto é o velho e manjado medo do futuro.


Texto produzido em 01/10/2013

O fim das certezas

E, no entanto, sociólogos, cientistas políticos e até economistas de hoje julgam-se capacitados para fazer análises definitivas sobre este ou aquele evento histórico contemporâneo, colocando-os à direita ou à esquerda de um certo especto político-ideológico, sem qualquer concessão ao relativismo geral da vida. E isto, pasmem, em plena era da mecânica quântica e da nanotecnologia.

Nenhum intelectual, nesta altura da História, pode aceitar ser assim nomeado se limitar seu interesse a um único segmento do conhecimento humano. É impossível saber tudo sobre tudo; sempre foi. Mas é dever de quem pensa e, mais ainda, de quem publica o que pensa informar-se e compreender os avanços de todas as ciências. Todas, de preferência.

O homem é um ser complexo — talvez o mais complexo —, inserido nesta realidade cósmica que está se revelando mais misteriosa do que — à moda de Shakespeare, em Hamlet — julgava 'nossa vã filosofia'. O sociólogo, por exemplo, não tem o direito de externar opiniões definitivas sobre nada. O mesmo se dá com o economista e o cientista político; esta, então, uma categoria intelectual que nem mesmo existe, pois o exercício da política é incompatível com o que preconiza o método científico — qual seja, a possibilidade de se experimentar e chegar aos mesmos resultados propostos na teoria.

Se as pessoas que pensam o homem como ente físico, psíquico ou social, e disso fazem uma profissão, se dispõem a elaborar e publicar suas ideias, que o façam com honestidade intelectual. É preferível publicar menos e pensar melhor. Isto implica relativizar toda e qualquer 'certeza' a respeito das coisas que dizem respeito ao ser humano. Se até as verdades da física e da matemática estão sob permanente revisão, frente aos novos conhecimentos, por que, com que autoridade se pode fazer afirmações categóricas a respeito do corpo, da alma e das relações sociais?

Agissem assim esses especialistas, e o nosso cotidiano estaria menos poluído com tantas 'certezas' precárias, promotoras de confusões mentais nas pessoas e de entropias sociais. Agissem assim, é certo que as bibliotecas conteriam menos livros, mas, ao menos, seriam livros melhores e mais úteis ao avanço da espécie.


Texto produzido em 01/08/2013

Falta assertividade

Pouca dificuldade têm as novas gerações — por exemplo — para identificar a hipocrisia e a incoerência. A crítica que vigora nesta sexta-feira, 19, por exemplo — dado o peso intelectual de quem a formula — diz respeito a equívocos político-administrativos atribuídos à Presidenta Dilma, dela cobrando mais acertos e melhores conselheiros.

Não há hipocrisia nem incoerência nessa crítica — registre-se logo —, mas um derivativo disso, que é uma insuficiência da análise, a qual acaba disseminada pelos leitores do respeitado jornalista-autor a outras mídias impressas e eletrônicas, produzindo uma onda opinativa que no extremo do processo pouco ou nada tem a ver com os termos propostos no texto original

O que falta aos líderes de opinião, neste instante histórico? Falta assertividade, coragem de dar às coisas e às pessoas seus nomes e sobrenomes, sem assombro (o que não faço aqui porque não sou um lider de opinião). O próprio jornalista-autor, em seu artigo, admite que se exime de declinar pessoas, reivindicando uma pretensa discrição, embora esteja, com isso, prestando um desserviço a seus leitores, em especial nestes tempos em que vivemos.

Não cabe mais declinar de nada, quando se está na mídia aberta. Atuar políticamente por subentendidos — e uma opinião publicada é uma ação política — é o que não se quer, ou precisa. Primeiro, porque não serve à construção daquilo a que seu autor se propõe; ao contrário, serve a interpretações várias, e a consequentes desvirtuamentos no processo de sua reprodução. Segundo, porque adia o necessário embate público que deveria se realizar nas novíssimas ágoras, fornecendo, na sua ausência (de embate), energia reativa àqueles que se sabem alvos das (talvez) pertinentes críticas.

Qual a razão de evitar embates? Houve um tempo em que os homens decidiam suas diferenças em duelos abertos, sob regras estritas e sujeitos às penas que se impunham aos perdedores. Os combates de hoje dispensam espadas e garruchas; são e devem ser de ideias sedimentadas na lógica e na realidade factual, como gosta de dizer o referido jornalista-autor.

Recusar-se a assim agir é eximir-se das nossas responsabilidades presentes; é apenas um exercício de retórica voltada ao espelho, não à vida. Precisamos, sim, de novos, muitos “J’Accuse”. Carecemos de duelos intelectuais abertos, galvanizadores, capazes de conquistar as atenções e catalisar os debates. Passou o tempo dos subentendidos, que só alimentam a entropia.

Texto produzido em 19/07/2013