Comunicação de Governo para a urgência destes tempos acossados pelo extremismo de direita

No início de 1990, a pedido da Telma de Souza — eleita Prefeita de Santos pelo Partido dos Trabalhadores em 1989 —, que se encontrava acossada pela mídia tradicional da Cidade, elaborei o projeto e implantei o jornal D.O.URGENTE, um Diário Oficial com as notícias administrativas, os serviços prestados pelo poder público, a conferência do noticiário publicado pelos veículos privados sobre a Prefeitura, e muitas outras seções de interesse da população. Por seu pioneirismo e inovação de conteúdo (sem personalismo, proselitismo ou panfletarismo), esse jornal foi um êxito editorial e político, tendo contribuído para o sucesso do Governo Telma, que terminou com 97% de aprovação, segundo o Datafolha.

No início de 2015, incomodado com as pressões de toda ordem que recaíam sobre Presidenta Dilma Rousseff, reeleita em 2014, resolvi pensar a Comunicação Social de seu Governo da mesma forma que havia feito quando da criação do D.O.URGENTE. O texto reproduzido abaixo é o mesmo que foi entregue à Telma em maio de 2015, o qual ela fez chegar às mãos de ministros do Governo Dilma. Nada aconteceu à época. No começo deste novo e crucial Governo Lula, decidi publicar aqui a íntegra daquela proposta de 2015, pois entendo que suas premissas continuam válidas, embora reconheça que, para ser implementada hoje, ela precisaria ser adequada a estes tempos de ainda maior predominância das redes sociais.

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VIA DO ESCLARECIMENTO

Razões, objetivos, operacionalização

As relações sociais estão mudando radicalmente, mas os governos continuam se utilizando de mecanismos antigos para realizar a sua Comunicação com os governados.

Hoje, a opinião pública se forma a partir do acesso instantâneo a sites de notícias, a blogs de divulgação e análises, às ferramentas globais de interação entre indivíduos, como Twitter, Facebook, YouTube e Instagram, entre outros.

Cada vez menos tempo temos para perder diante da TV, lendo jornais e revistas, ouvindo rádio. O público desses veículos está a cada dia mais velho, mais conservador, mais confuso com as manipulações a que é submetido, mais chocado com as mudanças que ocorrem à sua volta e, portanto, mais reacionário.

Há um abismo entre os governos e a sociedade. É no interior desse buraco que se prolifera o que há de pior nas relações humanas, sob o domínio do medo, da desconfiança, da desesperança, da prevalência do interesse individual sobre o coletivo.

Nossa proposta, denominada “Via do Esclarecimento”, visa atuar no gradativo preenchimento desse abismo existente entre o governo e sociedade. Para isso, sugerimos dar início à construção de um novo paradigma na Comunicação do Governo com a Sociedade. Tomar a Sociedade a partir de suas células, que são os cidadãos.

Falar para grandes massas, visando esclarecer as pessoas, é coisa do passado. Hoje se fala para cada pessoa, visando conquistar uma rede de indivíduos esclarecidos, motivados a disseminar os esclarecimentos por eles conquistados.

Neste sentido, pergunta-se: Por quê o lançamento de um novo Programa de Governo deve se limitar a uma solenidade, seguida de uma entrevista coletiva, acompanhada da distribuição de um press-kit e complementada por entrevistas exclusivas para veículos selecionados?

Esta fórmula, frequentemente antecedida e/ou contestada por vazamentos de versões a colunistas da imprensa tradicional, não mais produz resultados eficazes. Se é que um dia produziu.

Não serve para o esclarecimento sobre os objetivos do Programa, muito menos para explicar o COMO aquela iniciativa do Governo impactará o cotidiano das pessoas diretamente envolvidas.

Fica-se, assim, à mercê dos interesses dos grupos empresariais de comunicação e da competência e independência, nem sempre existentes, dos profissionais de imprensa encarregados da interpretação e divulgação dos objetivos do referido Programa.

A “Via do Esclarecimento” visa, exatamente, ocupar esse espaço de desinformação/má informação, preenchendo-o com canal/portal de relacionamento direto Governo-Cidadão.

No portal de “Esclarecimento e Cidadania” a ser criado estarão depositadas todas as informações relativas ao COMO cada Programa de Governo impactará a vida das pessoas.

Essa lista de COMOs será publicada simultaneamente ao anúncio oficial de cada Programa/Ação/Iniciativa governamental, de modo a que qualquer cidadão brasileiro, estando em qualquer parte do Brasil ou do mundo, terá condições de tomar imediato conhecimento do que o Governo está anunciando, sem esperar a intermediação dos velhos meios de comunicação.

E mais: as listas contendo os COMOs do Programas de Governo serão enriquecidas com links de referência, cópias de documentos, fotos-vídeos-memes e tudo o mais que puder ser agregado ao conteúdo das medidas/ações governamentais, construindo o acervo desse portal e o seu aprimoramento.

Desta forma, o portal “Esclarecimento e Cidadania” se constituirá, ao longo do tempo, num ponto de referência para o acompanhamento transparente dos processos administrativos em curso. E num manancial de sugestões, críticas e avaliações das ações de Governo — sob a moderação de seus administradores, para evitar o desvirtuando de seu propósito —, atuando em conjunto com as demais forças de pressão tradicionalmente existentes.

A elaboração dos COMOs de cada medida/ação de governo deve ser feita sob a supervisão de profissionais de Educação treinados no trabalho com jovens e adultos (Programa EJA, por exemplo), de modo a que os esclarecimentos estejam ao alcance de qualquer público.

A equipe encarregada desse processo deve atuar desde as etapas de discussão das justificativas das medidas/ações. Sua tarefa é transformar o complicado em simples. É decodificar toda medida técnica (seja ela da área da administração pública que for), de modo que o assunto e seus desdobramentos sejam plenamente compreendidos por todas as pessoas.

Meu adeus a Pelé

Teve um dia na década de 1970, trabalhando no Jornal da Tarde, na Geral (ou substituindo o Mauri Alexandrino, uma vez, na editoria de Esportes), que eu pus na cabeça que deveria entrevistar o Pelé; buscar dele uma explicação para a frase famosa de que "o brasileiro não sabe votar", que a esquerda festiva explorava à exaustão, para desmerecê-lo.

Minha intenção era veja se pode?! dar ao Pelé a oportunidade de esclarecer o que verdadeiramente quis dizer com aquela declaração.

Na verdade, o que eu queria mesmo era provar que o Pelé não era contra o povo, não menosprezava o povo, mas o criticava legitimamente, pois entendia que o povo, ainda que condicionado pela opressão secular, exercia mal o seu poder, não utilizava a sua força.

Era uma tese que eu tinha, e queria que o Pelé a corroborasse, para que o meu ídolo fosse redimido. Fiz aquilo que nenhum jornalista 'isento' pode fazer, mas fiz.

Foi dificílimo conseguir uma entrevista com ele. Entrei em contato com a escritório do homem, cheguei ao sujeito que era o assessor direto dele (me foge o nome, era um nome meio espanholado, bem conhecido, mas eu não lembro...). Expliquei que queria entrevistar o Pelé sobre aquela frase e ele fez cara de que não tinha muito interesse em agendar o encontro.

Dias depois, numa tarde de calor, estava eu lá jogado na Sucursal do Jornal da Tarde, na Rui Frei Gaspar, no Centro de Santos, à espera de alguma coisa, quando me chamam ao telefone e era o tal assessor do Pelé, dizendo que eu poderia fazer a entrevista naquela hora, imediatamente, que ele estava me esperando no escritório dele, ali perto da Sucursal.

Parti pra lá sem saber absolutamente nada do que iria perguntar. Tinha apenas a tal frase na cabeça. Cheguei, me levaram pra sala da secretária e logo depois me mandaram entrar na sala do Pelé. Ele estava sentado na mesa dele, com aquele sorriso, meio curioso, tendo ao lado, de pé e às vezes sentado, o Pepito ou Paquito (acho que era um desses o nome do sujeito).

De cara, esse Pepito ou Paquito me disse: "Não pode gravar nada (tudo bem, eu nem tinha gravador!) e também não pode anotar nada". Aí eu entrei em pânico, porque o ato de anotar é principalmente a possibilidade de registrar palavras-chaves, para depois reconstituir a conversa. Eu, particularmente, não tenho memória de elefante; minha memória é mais visual.

E foi assim, em pânico, que comecei a 'conversar' com o Pelé, mais preocupado em lembrar o que ele estava dizendo do que em pensar sobre o que ele dizia para preparar a pergunta seguinte. Ah, sim, o tal do Pepito ou Paquito, no final, ainda decretou: "Queremos ver antes o que vai ser publicado".

Saí de lá, depois de não muito tempo, em choque e revoltado, pois não admitia submeter minha matéria à aprovação do entrevistado. Fui pra Redação. Sentei na máquina e escrevi uma merda de matéria, acho que a pior da minha vida, pois deu um branco; eu simplesmente não lembrava de nada do que o Pelé havia dito.

Mesmo assim mandei o texto, um pequeno texto, acho que pouco mais de uma lauda, pra Redação em São Paulo, alertando que tinham me pedido para mostrar antes, mas que eu não havia feito isso.

Bom, o jornal não publicou, mas dias depois li uma matéria anódina de outro jornalista da Redação paulistana, que havia estado em Santos e entrevistado o Pelé exatamente sobre o que eu havia escrito no meu texto.

Sem dúvida que era uma matéria muito mais rica e extensa do que a minha, mas não esclarecia em nada sobre as verdadeiras intenções do Pelé com aquela famosa frase, "o brasileiro não sabe votar". Ao contrário, nas entrelinhas reafirmava o chavão esquerdista de que 'o Pelé não tinha jeito mesmo, era um alienado'. É claro que não estava escrito assim, mas o subtexto dizia isso.

Hoje, depois que saiu a notícia da morte (esperada) de Pelé, eu chorei um pouco. Acho que foi também pela matéria que eu não soube fazer com ele.

Bom, pelo menos eu apertei a mão de uma lenda e disse, lá para os meus botões: "Obrigado pelas alegrias que você me proporcionou".

Talvez tenha sido este o real motivo de eu ter insistido tanto em entrevistá-lo.

Descanse em paz, Pelé!

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Resolvi publicar aqui este texto (que escrevi para minhas filhas e filho no dia da morte do Pelé, 30 de Dezembro de 2022), depois de acompanhar no canteiro central da avenida da praia do Boqueirão, em Santos, a passagem do cortejo do Pelé, neste glorioso 3 de Janeiro de 2023. Glorioso dia porque pude acompanhar pela televisão o longo e emocionante velório realizado no exato meio do gramado do campo da Vila Belmiro --- onde tantas e tantas vezes vi Pelé jogar, ou "se apresentar ao público", como muitos hoje reconhecem --- e também testemunhar a homenagem prestada ao Rei do Futebol pelo não menos fabuloso Luiz Inácio Lula da Silva, há três dias empossado (pela terceira vez!) Presidente do Brasil.

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Veja aqui um pouco do cortejo do Pelé pela avenida da praia de Santos, São Paulo, Brasil.