"Do que se fazem as salsichas" - VIII

Abro parênteses para falar sobre uma questão essencialmente mundana mas vital para entendermos os termos que definem esta nossa civilização, calcada prioritariamente no utilitarismo.

Trata-se do valor, diria quase transcendental, que atribuímos aos hidrocarbonetos, alçados à condição de motores e mantenedores destes nossos tempos. Particularmente o petróleo e o gás natural.

O mês de agosto de 1859, nos EUA — quando Edwin L. Drake, o “louco”, pela primeira obteve sucesso em sua busca por petróleo —, pode ser inscrito na História como o ponto zero da inflexão da pós-modernidade. Naqueles anos, na Europa, enquanto o mundo civilizado se batia em torno de disputas teóricas e práticas sobre capital x trabalho, mal sabiam aqueles heroicos gladiadores do pensamento e da práxis que a verdadeira guerra apenas começava — a guerra da dependência dos hidrocarbonetos, uma espécie de reedição bem materialista da <<alienação da essência da vida>>, pecha atribuída por pensadores alemães à religião.

O desdobramento emblemático dessa segunda guinada burguesa — a primeira fora o próprio advento da nova classe social a partir do fim do feudalismo, no séc. XIV; das reformas protestante e anglicana; do aumento da população das cidades e da ampliação do comércio marítimo nos séculos XV e XVI, fatores que impulsionaram a Revolução Industrial —, esse desdobramento, repito, ocorreria poucas décadas adiante, no final do próprio séc. XIX, com a invenção das máquinas movidas a diesel e gasolina, o que possibilitou o advento da sociedade de massas gestada nos primeiros tempos do séc. XX e plenamente consolidada após a II Guerra Mundial.

Hoje, parece claro que a exploração dessa herança mineral armazenada há 400 milhões de anos, aleatoriamente distribuída pela crosta terrestre, sem qualquer preferência ideológica ou religiosa, afinal determinou o desenho geopolítico do planeta no século passado e ainda neste XXI. A dependência dos derivados de petróleo é origem e consequência do modo de vida contemporâneo, estando presente em todos os instantes de nossas vidas por meio de uma infinidade de produtos e serviços imprescindíveis e culturalmente definidores.

Tanto é assim, que essa matéria-prima extrapolou a sua condição de commodity para se constituir em fator de desestabilização social e política, com impactos inaceitáveis, quando de sua falta, em todos os campos das atividades humanas. O fato é que ainda não se consegue conceber um mundo sem os hidrocarbonetos e seus derivados.

Nenhuma das nações ou blocos hegemônicos destes dias — China, EUA, Rússia, União Europeia — pode negligenciar de suas fontes de abastecimento de óleo e gás, sob pena de ceder poder. Nenhuma das guerras que se seguiram ao último grande conflito mundial — quando o embate ideológico ainda fazia eco, embora a disputa por mercados e pela garantia de fontes de suprimento de energia já se impusesse — deixou de ter algum tipo de vinculação com o petróleo. Nenhum dos aspectos que compõem o modo de vida das sociedades pós-modernas deixa de pagar tributo aos benefícios proporcionados por ele, o petróleo. E, finalmente, nenhuma decisão econômica estratégica ou passo político relevante foi e é dado sem que essa variável seja primariamente contemplada. Assim sendo, cabe a pergunta enfática: O que determina os rumos da humanidade, neste momento, se não a questão do suprimento de hidrocarbonetos?

Debates sobre os controles macroeconômicos e a administração da microeconomia, discussões sobre quanto e como o Estado deve investir em saúde e educação, preocupações com o meio ambiente, gestão do uso da água, soluções para o crescimento da violência e a mobilidade urbana, sem falar nos embates ideológicos tardios… O que representam esses temas frente ao fim sempre anunciado das nossas fontes de óleo e gás? Como já se disse, “foram necessários 125 anos para que o mundo consumisse o primeiro trilhão de barris de petróleo, mas apenas 30 anos para que se consuma o segundo”.

Nesse ritmo — a Agência Internacional de Energia (AIE) prevê que a demanda mundial, de 87,4 milhões de barris diários em 2011, deverá atingir 99,7 milhões de barris/dia em 2035, uma expansão de 14% no período. E à luz do que hoje se conhece das reservas comprovadas, estimadas em 1,6 trilhão de barris pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), em 2013 —, a expectativa é de que teremos apenas meio século de abastecimento pela frente. Talvez um pouco mais.

Para esse curto período adiante podemos esperar a intensificação das convulsões sociais, dos atentados terroristas e das guerras, particularmente fomentados pela revolta do mundo islâmico contra o sistema de exploração do mundo judaico-cristão, estas mesmas originadas, alimentadas e intensificadas a partir das disputas pelo controle das grandes jazidas de hidrocarbonetos e da distribuição dessa matéria-prima para o mundo. A ponta do iceberg surgiu em 1951, quando o Irã nacionalizou a British Petroleum e os serviços secretos dos EUA e Grã-Bretanha depuseram seu presidente, Mossadegh, reconduzindo ao trono o Xá Reza Pahlevi, pró-americano.

Seguiram-se as crises de 1956, quando o Egito nacionalizou o Canal de Suez — única ligação entre o Mediterrâneo e o Mar Vermelho, principal escoadouro de petróleo dos países árabes para a Europa — em reação ao colonialismo representado pelo domínio anglo-francês sobre o Canal; e a Guerra dos Seis Dias e a do Yon-Kippur, quando os árabes, agora organizados no cartel da OPEP (fundado em 1960), aumentaram o preço do barril de U$ 2,9 para U$ 11,65 (301% de aumento).

Naquele episódio, o perfil dos conflitos mudou do enfrentamento entre estados-nacionais contra empresas multinacionais, para a disputa entre produtores e consumidores, com o acirramento das idiossincrasias e o fomento do ódio inter-racial. Em 1979, a Revolução Xiita depôs o Xá do Irã e o preço do barril subiu de U$ 13 para U$ 34, aumento de 1.072% em relação a 1973.

Desde então, nenhum fator de desestabilização planetária tem sido mais presente do que o petróleo. Tudo o mais são evasivas ou autoenganos, formas de contornarmos a realidade dedicando tempo e espaço a problemas antigos e que nunca serão superados. Não com as soluções colocadas à mesa. Não com o império do individualismo sobre a individualidade.

[Do site da empresa Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras: “É praticamente impossível pensar o dia a dia sem a participação de algum produto obtido a partir da indústria petroquímica. Essa indústria, que utiliza derivados do petróleo ou do gás natural como matéria-prima, nos traz conforto e praticidade, sem que imaginemos quanta tecnologia e conhecimento estão envolvidos nas coisas mais simples. Existem produtos oriundos dessa indústria em roupas, colchões, embalagens para alimentos e medicamentos, brinquedos, móveis e eletrodomésticos, carros, aviões e até nos xampus e cosméticos. Isso se deve em parte à petroquímica, que transforma o petróleo refinado em produtos que são a base para grande parte da indústria química. As matérias-primas para os petroquímicos são a nafta, produzida nas refinarias, e o gás natural. Os produtos petroquímicos são classificados como básicos, intermediários e finais. Os petroquímicos básicos são eteno, propeno, butadieno, aromáticos, amônia e o metanol, a partir dos quais é produzida uma grande diversidade de intermediários. Estes, por sua vez, serão transformados em produtos petroquímicos finais como os plásticos, borrachas sintéticas, detergentes, solventes, fios e fibras sintéticos, fertilizantes, etc. Conheça as principais aplicações de alguns dos produtos petroquímicos básicos:

Eteno – o seu principal derivado é o polietileno que é usado na fabricação de sacos plásticos para embalagem de produtos
alimentícios e de higiene e limpeza, utensílios domésticos, caixas d’água, brinquedos e playgrounds infantis. Dentre suas outras aplicações podemos destacar o PVC, usado na construção civil, em calçados e em bolsas de sangue.

Propeno – é a matéria prima para o polipropileno, usado, por exemplo, em embalagens alimentícias e de produtos de higiene e limpeza, peças para automóveis, tapetes, tecidos e móveis. Apresenta, além dessa, diversas outras aplicações como, por exemplo, produção de derivados acrílicos para tintas, adesivos, fibras e polímero superabsorvente para fraldas descartáveis.

Butadieno – usado principalmente na produção de borracha sintética, em pneus e solados para calçados, por exemplo.

Aromáticos – são matérias-primas para produtos como o PET utilizado em garrafas e fibras sintéticas, e o poliestireno, material empregado em eletroeletrônicos, eletrodomésticos, embalagens de iogurtes, copos, pratos e talheres e material escolar.

Metanol – é insumo para produção de biocombustíveis e de diversos intermediários químicos usados, por exemplo, pela indústria de móveis e de defensivos agrícolas.

Amônia – é uma das matérias-primas para a indústria de fertilizantes, sendo usada na produção de uréia e de fertilizantes nitrogenados utilizados nas culturas de milho, cana de açúcar, café, algodão e laranja, entre outras.”]


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