A III Guerra está acontecendo. E isso pode ser bom

Não devemos nos iludir com o que está acontecendo no mundo neste exato ano de 2023. A grande guerra, a III Guerra Mundial que tantos temiam já está em curso, e se dá exatamente entre Ocidente e Oriente, os dois contendores que há tempos eram anunciados desde, provavelmente, as últimas décadas do século passado (vide "O Choque de Civilizações", de Samuel P. Huntington, 1927-2008).

É preciso que isto fique bem claro: não estamos em meio a um embate trivial (embora ele seja épico) entre duas grandes potências, EUA vs. China. Não é tão simples assim, pois o que está em curso é um confronto civilizacional, talvez nossa derradeira chance de conquistar a Terra. Esqueça, portanto, essa conversa de sul global contra norte global. 

O que temos, de um lado, é uma nação que, representando o Ocidente ao longo de quase um século, atraiu para suas fronteiras e/ou esfera de dominação e influência o que havia de melhor e mais inventivo na inteligência da planeta, e com esse movimento, ou lance de sorte, agregou à sua curta existência uma riqueza intelectual poderosa, oriunda de todos os cantos da Terra e acumulada por alguns milhares de anos. Desde, provavelmente, quando o Homo sapiens passou a produzir bens e viver de forma gregária.

De outro lado está uma nação que já se põe no jogo com as cartas de quem carrega cinco milênios de história. Cinco mil anos vividos em sua maioria, a bem da verdade, isolada do resto do mundo, governada por regimes monárquicos hereditários extremamente fragmentados em seu imenso território, mas ainda assim capaz produzir inventos fundamentais (pólvora, papel, bússola, impressão). Um povo igualmente antiquíssimo, neste caso não por coesão, mas herdeiro de uma construção histórica contínua e quase sempre una, discreta e disciplinada.

Ambas civilizações têm seus méritos e fraquezas. De um lado, a exuberância, a velocidade, a pressa, o turbilhão de fazeres; de outro, a solenidade, a segurança, a paciência, o gradualismo. Uma exercendo sua liderança de forma impositiva, ruidosa, praticando um misto de soft com hard power; a outra, avessa a extravagâncias, expandindo-se em silêncio, firmando e confirmando suas posições bem longe de desgastantes e custosos conflitos, quase desinteressada de se fazer agradável.

As duas, entendo, estão igualmente erradas em suas práticas e talvez, o que é pior, também em seus propósitos destinados a construir a felicidade da espécie humana. Nem a primeira (e aqui não se trata de hierarquia, mas de ordenamento de raciocínio) tem sido efetiva, nem a segunda será capaz de efetivar esse intento, se é que ele realmente está presente em suas agendas. O motivo é simples: ambas partem da mesma premissa errada.

A felicidade do ser humano não será construída pela prática do individualismo, mas também não o será pela imposição do coletivismo — esta é uma das premissas da equação. A outra premissa, tão importante como a primeira (ou mais, porque pouco ou nada enfrentada ao longo dos 300 mil anos de nossa história pequena, iniciada com o gregarismo), é a maturidade, que precisa ser conquistada.

O individualismo, que sustenta o sistema capitalista, não foi capaz de erigir as bases da felicidade humana; o coletivismo, que orienta o sistema distributivista, padece da mesma insuficiência teórica e prática. Estamos lidando com as barreiras impostas pela psique da espécie, barreiras estas que se manifestam nos nossos medos, os mesmos medos que, paradoxalmente, ao serem desafiados pela cognição humana, têm possibilitado o avanço social, científico e o desenvolvimento desta nossa civilização.    

Nenhum dos lados desta III Guerra Mundial põe na mesa a carta da maturidade. Entendo que o sistema calcado no individualismo assim aja, pois sua dinâmica se alimenta da disputa, do confronto, da meritocracia, do tensionamento, forças que se chocam com a equânime distribuição de poder mental, fruto da superação da imaturidade. Mas (ainda) não entendo porque o sistema coletivista, tão generoso em seus propósitos e práticas, se comporta do mesmo modo, ou, no máximo, admite a existência do obstáculo (a imaturidade), mas posterga sua superação para um momento futuro, quase utópico.

Não, superar a imaturidade antecede a realização do coletivismo e a prática distributivista. Na verdade, no momento em que Ocidente e Oriente compreenderem esta assertiva (a inevitabilidade de se conquistar a maturidade emocional da espécie) e passarem a atuar conjuntamente em prol de sua realização, mobilizando os recursos e os meios necessários, a ideia do coletivismo se revelará inevitável, pois estará coerente com o princípio norteador da própria espécie humana, o gregarismo. A III Guerra Mundial já começou, mas poderá ser uma boa guerra. Como sempre, depende de nós, os privilegiados habitantes deste planeta.

Pietro Ubaldi (1886-1972), em "Profecias", de 1953, explicita esse futuro possível: “E, dado que a vida é sempre luta contra algum inimigo que obstaculiza a emancipação, desta vez o inimigo não será mais o próprio semelhante, que vamos agredir, mas a nossa própria natureza animalesca, para superá-la e vencê-la. Como se vê, guerra contra ninguém, mas apenas contra as inferiores leis da vida, que ainda sobrevivem no homem, com o fim de sobrepujá-las. A emancipação da animalidade eis a nova conquista; ou seja, um 'requintamento' de vida, não só na forma de fidalguia exterior, mas na substância, que é uma atitude psicológica de compreensão para com o próximo, de ordem na vida social, de bondade para com todos os seres. Embora tudo isso possa parecer utopia, não há outro futuro, se quisermos que haja verdadeiro progresso. Esta é a nova ordem do mundo.”