"Do que se fazem as salsichas" - Capítulo XVIII

Quando a gente tem cinco anos, os muros são altos, as ruas não têm fim, as árvores são imensas, as frutas cheiram forte e todos que encontramos são heróis ou vilões. Temos uma experiência agradável, arquivamos num canto da lembrança, sob a classificação ‘isto eu gosto/me faz bem’. E saímos pela vida em busca das mesmas sensações, com nomes diferentes.

A isso, a essa eterna busca, chamamos de idade adulta, que não passa de uma infância hard, sem a benevolência paterna nem o doce de banana com queijo após as tardes cansadas de brincar daqueles dias.

Tem uma hora em que entramos na idade da pós-inocência e perdemos, de imediato, a boa vontade do grupo. É como se levássemos um tapa na orelha: dói e nos faz, por um instante, perder o rumo.

Sentimos que ninguém mais terá por nós qualquer indulgência: não somos mais crianças, nada mais em nós é engraçadinho e — como se diz — entramos no mercado de trabalho, passando a disputar uma vaga com os demais contemporâneos; somos mais um adversário a superar.

Quando essa hora chega, o sonho ata-se à realidade fisiológica e fica difícil encontrar prazer até num dia claro de sol. Mesmo nesses momentos especiais, em que a sensibilidade deveria predominar e a intuição do transcendente prevalecer, a dura responsabilidade nos convoca e impõe suas regras.

Claro, inventaram os domingos e os feriados. E nesses intervalos — e por eles — nos é permitido sonhar. Há estruturas sociais que nos auxiliam nessa tarefa — a dos artistas é uma delas, dentre eles os esportistas em geral, com a vantagem, para estes, de que qualquer um pode se fazer atleta. No esporte qualquer um se sentirá parte do sonho; basta comprar a camiseta, o boné, ir ao estádio e gritar.

Nunca tive nada muito claro na cabeça, e sim muitas dúvidas, além da inquietação a que já me referi e que originou este livro. Queria vencer, acho que todo mundo quer vencer, mas não saberia dizer a quem nem a quê. Desejava o melhor que houvesse daquilo que viesse a escolher. Muito vago, eu sei. Mas, com certeza, nada era também muito sério; uma noite de sono bastava para encarar um novo dia sem sentido. Era o que eu imaginava e isso não passava de mais uma das mega-quantidades de ideias que ocupavam a minha cabeça, entre o baticum de um tambor mental e os outros pensamentos juntos.

O que interessa, afinal, é que três filhos criei, algumas árvores plantei — poucas vingaram — e coloquei estas ideias no papel. Recentemente, uma criança nasceu perto de mim. É meu neto Otto, o mais novo de cinco e aquele a quem tenho a felicidade de acompanhar os passos, ver o surgimento de sua natureza humana.

Veio bravo, o menino. Seu semblante, nos primeiros meses, sempre foi de indagação muda, como se perguntasse o porquê de estar aqui. Cenho cerrado, olhos atentos, nada escapava à sua curiosidade. Tão logo pôde aprumar a coluna, passou a acompanhar com movimentos rápidos de cabeça todo ruído, odor, raio de luz à sua volta. Os dias de experiência sensorial e a repetição de eventos em seu entorno passaram a amenizar seu humor inaugural.

Estou feliz pela oportunidade de observar a construção da sua humanidade. Se estiver ao meu alcance, quero contribuir para protegê-lo fisicamente das ameaças que sempre rondam uma criança. De resto, quanto menos interferir melhor.

Sou o que sou porque assim o quis. Deveria ter querido mais, sido mais claro, mais enfático, mais atuante. Não quis assim. Fui até onde a minha capacidade alcançou e o meu poder de expressão permitiu. À moda de Edward ‘Ed’ Roscoe Murrow, termino com um “Boa noite e boa sorte”!