O melhor para o mundo é o melhor para Brasil

O futuro do Brasil não será decidido apenas pelo sucesso ou insucesso econômico e social do Governo Lula. Três fatores, encadeados e misturados, determinarão os destinos do nosso país: o desfecho do conflito Rússia x OTAN/Ucrânia; as eleições presidenciais norte-americanas, em 2024; e o avanço da liderança da China em direção ao hemisfério Sul do planeta.

Luiz Inácio Lula da Silva sabe que está correndo contra o tempo. Tem consciência de que precisa acelerar o passo das reformas sociais voltadas à distribuição de renda, para que assim possa conquistar força política capaz de proteger seu governo dos furacões que se aproximam. Mas também não desconhece que as reformas só acontecerão e darão frutos se houver o aperfeiçoamento da arrecadação tributária e a ampliação da base de contribuintes, incorporando a ela os ricos, os super ricos e os bilionários.

Neste primeiro ano de governo tem se dedicado a retomar os grandes programas sociais de seus dois mandatos anteriores (mantidos e ampliados por Dilma Rousseff, enquanto pôde); reativar as obras que estavam paralisadas há dez anos; lançar novos investimentos em infraestrutura e outros programas voltados às camadas mais pobres e remediadas.

Para isso (aprovar matérias de interesse do Governo no Parlamento), embora nos cause náuseas, tem sido obrigado a negociar com a direita, abrindo espaço até para adversários recentes. Com uma diferença: ao contrário de seus dois governos anteriores, e do primeiro de Dilma, desta vez, seguramente, está se resguardando quanto à corrupção da máquina pública.

Já disse outro dia, com todas as letras, que os desvios de conduta dos indicados do chamado Centrão para cargos no Governo são de responsabilidade de quem os indicou; e certamente não criará nenhum empecilho à divulgação de bandalheiras que estejam sendo ou venham a ser praticadas por esses indivíduos, além de mantê-los sob estreita e permanente vigilância. O recado foi plenamente entendido por Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, que também declarou não se responsabilizar pessoalmente por eventuais erros de aliados no Governo.

O fato de indivíduos indicados por Lira ocuparem postos importantes no primeiro e segundo escalão da administração federal, convenhamos, é do jogo político; decorre do presidencialismo de coalizão que temos no Brasil. Afinal, apesar dos alertas de Lula durante a campanha eleitoral de 2022, e de ele ter apelado aos partidos de sua coligação que intensificassem os esforços no sentido da eleição de uma grande bancada no Legislativo, isto não aconteceu.

Voltemos aos três fatores que determinarão o futuro do Brasil. É possível que o conflito Rússia x OTAN/Ucrânia não se resolva antes das eleições presidenciais dos EUA. Pior, talvez ocorra um recrudescimento, tendo em vista o grau de envolvimento dos norte-americanos no conflito (fala-se em gastos de 77,5 bilhões de dólares, apenas de janeiro de 2022 a 2023).

Mesmo que o presidente Joe Biden venha enfrentando crescente resistência interna contra essa guerra, em decorrência dos efeitos negativos que ela tem produzido sobre a economia daquele país; mesmo que Biden possa estar arrependido de ter incentivado e apoiado a Ucrânia numa guerra em que sairá derrotado (a menos que se engaje num conflito nuclear contra a Rússia), mesmo que isso seja verdade, ele não tem mais condições de recuar.

A opinião pública interna está crescentemente se posicionando contra o apoio dos EUA à Ucrânia, mas o eleitor norte-americano não perdoará os democratas por mais uma guerra perdida e pela humilhação que se seguirá, ainda mais num quadro de degradação da qualidade de vida do país, com acelerada perda de prestígio junto a nações aliadas.

Nesse cenário, as pressões norte-americanas sobre o Brasil tendem a ficar momentaneamente contidas, até porque o apoio do presidente brasileiro pode render alguns frutos a Biden, em especial junto a lideranças sindicais, onde Lula conta com aliados. Lula tambem está ciente disso, e joga o jogo, pois a opção Donald Trump será catastrófica.

Acredito mesmo que uma vitória de Trump levará a um golpe de Estado no Brasil. Se não diretamente contra Lula, seguramente no curso da próxima eleição presidencial, quando eventualmente na presidência dos EUA (e depois de fustigar o governo brasileiro por dois anos) Trump exercerá toda a pressão a favor de um governo de extrema-direita, entreguista e obediente em nosso país, nos moldes desse indivíduo que disputa com destaque as eleições na Argentina.

A tragédia que está posta é que foi o próprio Biden, mercê de uma política anacronicamente belicista, quem preparou a armadilha política em que está metido. Num período da história mundial em que tudo apontava para a superação das diferenças e a construção de consensos, tendo em vista o desafio climático e as ameaças biológicas, ele, Biden, deixa-se envolver pela lógica da beligerância. Tanto a quente (que exerce através da OTAN/Ucrânia) quanto a fria, que exercita contra a China.

A China que, paulatinamente, de forma perseverante e eficaz, vem construindo desde a última década do século passado a maior economia do planeta, sem se envolver em guerras desgastantes e caras mundo afora  lembremo-nos de que somente nos últimos 12 meses os gastos militares globais consumiram cerca de 2,3 trilhões de dólares, valor equivalente a 50% do orçamento dos EUA, país que lidera esse desperdício de dinheiro. A China que, nos últimos dez anos, vem se propondo a dividir a liderança global dos EUA, inaugurando o chamado mundo multipolar, enquanto o Império Americano se desintegra.

O futuro do Brasil depende de como se desenvolverão essas dinâmicas geopolíticas. Os problemas que Lula enfrenta no plano interno são imensos, mas não são os maiores. Grandes tempestades estão se formando no horizonte e elas vêm de fora, estão além de nossas forças. Não é por outro motivo que Lula se credencia a lutar pela paz e pelo fim da desigualdade social planetária. Ele pensa e trabalha no melhor para o mundo (também) porque sabe que só assim terá o melhor para o Brasil.