Viva a TV Justiça! Vivam as redes sociais!

Uma tese que ganhou força em 2012, com o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do chamado 'Mensalão' principalmente entre intelectuais, em especial do campo progressista , foi a de que o televisionamento das sessões seria contraproducente para o bom andamento dos trabalhos da Corte, e para aquele processo em particular.

Envaidecidos pela notoriedade conquistada, os 11 ministros  de quem, antes do advento da TV Justiça, em 2002, mal se conheciam os nomes haviam passado a julgar, dizia-se, não de acordo com os autos dos processos e à luz da Constituição, mas conforme a repercussão de seus votos junto à opinião pública. "Jogavam para a plateia", como se afirmava, apontando os riscos que esse comportamento midiático representava para a produção de justiça.

Dizia-se mais: que as frequentes aparições na imprensa, artigos publicados e entrevistas concedidas por aqueles (e esses) ministros seriam um desvio em relação às suas obrigações e deveres, dado que "juiz só deve se manifestar nos autos". A título de exemplo de "boa conduta jurisdicional", apontava-se o modelo norte-americano, onde, além de não haver sessões televisionadas, os integrantes da Suprema Corte manteriam distância dos holofotes, seriam discretos e, por isso, pouco conhecidos da maioria da população. Recentes denúncias envolvendo o ministro Clarence Thomas (que podem ser conhecidas com uma busca simples na internet) desmentem em grande medida esse mito.

É verdade que o componente da fama adquirida e, muitas vezes, ostensivamente buscada por integrantes da Magistratura e do Ministério Público brasileiros foi, e tem sido, fator de distorção em muitos julgamentos. Exemplo clássico, que certamente já vem sendo estudado nas faculdades de Direito: as irregularidades (incompetência e suspeição) cometidas pelo juiz e promotores da 13ª Vara Federal, de Curitiba, na caso 'Lava Jato', e que levaram à anulação dos processos contra o então ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e continuam a ameaçar a carreira de inúmeros integrantes do sistema de justiça.

Cabe, no entanto, a pergunta: O que é mais prejudicial à promoção da Justiça e, em última análise, ao aperfeiçoamento da Democracia, a exposição televisiva dos ministros do STF e o imediato escrutínio de seus votos por especialistas nas matérias em julgamento (ou mesmo por leigos) ou a proferição desses votos em ambientes fechados, acessíveis apenas aos diretamente envolvidos e a poucos jornalistas credenciados?

Ora, é sabido que vivemos o tempo das comunicações globalizadas e instantâneas, onde as redes sociais se impõem como instrumentos capazes  em tese  de proporcionar o alargamento do debate de todas as questões que digam respeito ao conjunto da sociedade. Num tempo como este, em que se está a construir um novo paradigma, não é mais possível, nem desejável, evitar a ampla publicização dos pensamentos e atos dos agentes públicos. em especial os do Judiciário.

No caso do  se assim podemos defini-lo  modelo brasileiro, em desenvolvimento desde a criação da TV Justiça, sem dúvida que houve e tem havido exageros, decorrentes da súbita popularidade adquirida e claramente mal administrada por personagens deslumbrados (ministros foram aplaudidos em shoppings, supermercados, restaurantes, estádios de futebol; alguns chegaram a admitir, publicamente, que se pautavam pelo "clamor das ruas", como se "as ruas" fossem inequivocamente detentoras da verdade e portadoras da sabedoria).

É sabido e assentado em lei que uma das obrigações do magistrado é conhecer todas as possíveis facetas do caso em julgamento e, se necessário, decidir contra o senso comum. Então, como se explicam as rotineiras quebras desse esperado princípio? Seriam consequência apenas e tão-somente da novíssima exposição midiática desses indivíduos? Seriam os meios de comunicação responsáveis pelos desvios na conduta profissional dessas pessoas, ou isto resultaria de fatores anteriores e mais profundos?

De fato, os brinquedos novos têm o condão de nos infantilizar, e as atuais tecnologias comunicacionais, com suas engenhocas e múltiplos recursos, são também isso, brinquedos e distrações para adultos, enquanto a ampla exposição proporcionada pelas redes sociais atuam sobre a carência afetiva e a vaidade dos seres humanos em geral, sejam eles juízes, promotores, ou reles mortais. Portanto, o que não podemos nos esquecer é de que o Homo sapiens ainda não alcançou o estágio da maturidade emocional. Este é o ponto.

Somos capazes de elaborar e comprovar sofisticadas teorias científicas, inventar e produzir espantosas facilidades tecnológicas, desenvolver habilidosas maneiras de convivência social e, imodestos, nos iludimos com tais saberes e poderes, julgando-nos seres civilizados. Qual o quê!, diziam os mais antigos.

Frente ao paradoxo existencial produzido por esse autoengano enraizado em nossa cultura globalizada, é preciso pontuar o óbvio: todo e qualquer indivíduo de bom-senso há de convir que muitos desafios civilizacionais precisam ser enfrentados, até que se conquiste a maturidade, sendo um deles a produção de justiça a partir da estrutura legal construída por nossa sociedade (que agora conta com a valiosa possibilidade de ser acompanhada e avaliada pelo conjunto dos cidadãos).

É preciso saudar essa oportunidade que o avanço das ciências e as tecnologias de comunicação estão a nos proporcionar. Há um preço a pagar, sem dúvida, e este é a difícil convivência com indivíduos dotados de poder, e que se revelam totalmente imaturos para exercer suas funções institucionais. Ainda assim vale a pena seguir adiante com o processo em curso, até porque essas tecnologias são irreversíveis e só tenderão a aprofundar a exposição do caráter humano.

Limitando-nos ao caso específico dos profissionais a quem a sociedade delega o poder de promover justiça, o fato desses ilustres indivíduos poderem agora ser acompanhados, ao vivo, pela televisão e redes sociais globalizadas, bem como avaliados, cobrados e muitas vezes desmascarados em suas intenções, constitui um novo alento no sentido da conquista da maturidade da espécie. Isto me parece inquestionável.

Tive clareza desse fato, mais uma vez, nesses dias, com a retomada do julgamento do denominado Marco Temporal  em que se pretende revalidar o processo de espoliação das terras milenarmente pertencentes aos povos originários —, ouvindo e vendo os votos, apartes e argumentações de ministros do Supremo Tribunal Federal.

Minha conclusão: esses empoderados cidadãos precisam e devem ser acompanhados e cobrados pelo conjunto da sociedade. E, para que isto aconteça, se mantenha e se aprofunde, dou aqui um viva à TV Justiça e às redes sociais!