A verdadeira revolução já está acontecendo

Não entendo e, principalmente, não aceito o comportamento de prestigiados comunicadores sociais (incluindo jornalistas e acadêmicos chamados a opinar nos meios de comunicação), quando desconhecem (o que é grave) e/ou desconsideram (o que é desonestidade intelectual) os limites de governos não revolucionários, ou seja, governos escolhidos a partir de regras democráticas. 

Um governo, qualquer que seja, de qualquer país, não existe para impor revoluções, no sentido do rompimento do status quo. As revoluções (científicas, políticas, tecnológicas, econômicas, culturais) decorrem de processos históricos longamente maturados. Não eclodem por artificialismo, ou voluntarismo, mas da somatória de circunstâncias.

Revoluções intentadas a partir da vontade de poucos, ainda que de um grupo coeso, organizado e determinado, estão fadadas ao fracasso. Há de haver, sempre, condições objetivas, que se traduzem no apoio consciente da maioria da população e na reunião dos meios necessários (recursos materiais e econômicos). Sem esses pontos de partida não há revolução.

Desde o fim da II Guerra Mundial, com o mundo polarizado, o suporte externo também passou a ser imprescindível para o sucesso das trocas bruscas de governantes, pois tais mudanças não se tratavam de fato de rompimentos institucionais, de câmbio de regimes políticos, mas de acomodações de poder com o beneplácito de um dos lados da polarização.

Neste século XXI, a partir do avanço do mundo multipolar, o antigo padrão revolucionário mudou, tendo surgido as revoluções ditas coloridas, sempre comunicacionais e, eventualmente, com algum derramamento de sangue. De novo, o que se dá aqui não são de fato revoluções soberanas, ideológicas, porém meras trocas de governantes postos a serviço de outra zona de influência geopolítica e/ou geoeconômica.

Esse preâmbulo se destinou a destacar o seguinte: se o governante de um país não conquistou o poder por via revolucionária, ideológica, sangrenta, mas através de eleições diretas, ou indiretas, só lhe resta governar dentro da realidade que está posta, ou seja, da correlação de forças políticas existente ou construída mediante negociação com os partidos que não integram a sua base parlamentar original.     

Mais: todo governo existe para proporcionar o melhor bem-estar possível aos seus cidadãos, o que é mais verdadeiro ainda quando se trata de governo escolhido pelo voto popular. Isto significa atender com prioridade as demandas de curto prazo; atuar preventivamente para o médio prazo; e preparar as condições para o longo prazo

No rol de desafios de todo governo (e ainda mais dos eleitos, insisto), há ainda a considerar que o médio e o longo prazos, em especial, se inserem nesse novíssimo ambiente das comunicações digitais globalizadas e do avanço da automação algorítmica (executada por máquinas, mas comandada por códigos). O impacto desse novo tempo tecnológico será o aumento exponencial do contingente de pessoas desocupadas, agora denominadas de supérfluas, ou não empregáveis. 

Todo governante que se preze sabe que as pressões sociais serão crescentes, pois em breve os empregos começarão a escassear e haverá imensa demanda por auxílio governamental. Sabe, ainda, esse governante, que medidas preventivas precisam ser tomadas hoje, de modo a que a sociedade esteja minimamente preparada para o 'abominável mundo novo'.

Essas medidas incluem a preparação educacional da juventude, para que alguns ao menos estejam aptos a ocupar os poucos empregos que restarão; a estruturação de meios e modos de apoio aos milhões de não empregáveis; e a aprovação de leis fiscais capazes de fornecer ao Estado os recursos necessários para fazer frente à sua obrigação primeira, que é garantir o bem-estar de todos os cidadãos.

Esse médio e longo prazos, porém, não estão mais muito distantes, como podia se dar até o final do século passado, sob o impacto (apenas) da comunicação de massas (rádio, tv, cinema). Neste século, com o avanço das ciências da computação, e a descoberta de materiais capazes de exponenciar o processamento de dados entre outras facilidades , a velocidade dos prazos médio e longo vem se acelerando.

Tal conjunto de desafios, que está posto a qualquer tipo de governante (até mesmo aos revolucionários), exige que as pessoas que detêm voz e influência sobre parcelas da sociedade assumam sua cota de responsabilidade social e, de certa forma, também política. Não é admissível, por exemplo, que se cobre de qualquer governante aquilo que ele não pode dar, embora seja necessário que se exija dele o que está ao seu alcance.

Agir de forma diferente é irresponsabilidade, comportamento que infelizmente domina os meios de comunicação e parte relevante do mundo acadêmico. Uma irresponsabilidade que não produz efeitos, porque a realidade se impõe. Recentemente, por exemplo, soube-se de um apelo emitido por um grupo do bilionários e especialistas em Inteligência Artificial (IA), externando sua preocupação quanto ao avanço acelerado de plataformas como o ChatGPT.

Apontaram "grandes riscos para a humanidade" e elencaram alguns de seus medos: propagação sistemática e descontrolada de fakenews, ameaça à democracia, perturbações políticas e econômicas, automatização de todos os trabalhos hoje executados por humanos. Entendo, porém, que as justificativas desses bilionários, e seus associados especialistas, esconde outras motivações. Não me parece que estejam exatamente preocupados em defender a democracia, nem os postos de trabalho.

O medo dessa gente é que a quantidade de pessoas supérfluas vai aumentar exponencialmente no médio prazo (senão no curto); essa massa de indivíduos laboralmente inúteis forçará os Estados a bancar suas necessidades básicas (distribuindo dinheiro, como ocorreu no auge da pandemia); e esses recursos vão ter de sair de algum lugar, ou seja, do bolso desses bilionários. Na Califórnia, EUA, está para entrar em vigor uma lei taxando em 5% a venda de propriedades acima de 10 milhões de dólares ou seja, as grandes fortunas , exatamente para fazer frente ao aumento das demandas sociais. E isto é só o começo.