Matamos crianças, que nos matam de vergonha

O que vemos acontecer neste exato momento é o seguinte: todas as forças mais nefastas que habitam a psique da espécie humana estão se pondo em movimento. Reagindo ao apito ultrassônico que nós, reles mortais, não escutamos, mas que ressoa e se replica sobre a casca deste planeta, os cães da guerra e de todas as violências primitivas estão saindo de suas tocas, vomitando suas frustrações, preconceitos, ódios e violências. Não há mais razão a que apelar. Não há mais lado a ser defendido. Não há mais autoridade a ser acatada. Não há mais alternativa sobre a qual possamos depositar esperança.  Ingressamos num processo contagioso de dissolução das travas morais construídas ao longo de milênios de relações sociais governadas pela hipocrisia. Judeus matam muçulmanos, que matam judeus. Europeus matam refugiados de suas ex-colônias, que matam europeus. Estadunidenses matam latinos oriundos dos países que sempre exploraram, que matam estadunidenses. Eslavos matam irmãos eslavos, que matam eslavos irmãos. Ricos matam miseráveis, que matam ricos. Homens matam mulheres e homens que um dia amaram, que matam homens e mulheres que hoje odeiam. E agora, que nos aproximamos do fundo do abismo, matamos crianças, que nos matam de vergonha. Estamos definitivamente à deriva, à vista de todos, mesmo daqueles que se recusam a enxergar e vão levando suas vidas silenciosas e medíocres.