Sem direito, nem tempo de errar

Nossa velocidade reativa precisa aumentar. Não se trata de sair às ruas distribuindo panfletos, ostentando cartazes e faixas, feito aqueles pregadores desvairados que empunham suas bíblias mal lidas e incompreendidas nas calçadas movimentadas. Nem mesmo é o caso de nos pendurarmos nas redes sociais, dissipando nossa energia ao disparar mensagens ineficazes ao léu.

Não. A velocidade começa na mente de cada um, nesse lugar onde tudo sempre tem e teve início. É na mente das pessoas que já compreenderam o estado caótico em que se encontra nosso planeta, e que se põem do lado certo da História, o lado que busca a harmonização da espécie humana, é nessas mentes que a reação primeiro se constrói.

De novo: aumentar a velocidade reativa é não esvaziar nossas potencialidades, não é enfraquecer nossas defesas espirituais. Não me refiro aqui a religiões, mas à genuína espiritualidade, aquela que está mais próxima do conceito de inconsciente coletivo que nos foi legado por Carl Jung (1875-1961), definido como “uma camada da psique que contém arquétipos ou padrões de pensamento e imaginação herdados por toda a humanidade, através de gerações”.

Essa “herança psicológica universal”, ou “memória comum que se manifesta em mitos, sonhos e símbolos semelhantes em diferentes culturas”, constitui a substância imaterial que, confirmada ou desafiada por nossa capacidade cognitiva, e então mobilizada e compartilhada, é o que pode nos levar à geração de novas materialidades e resultados efetivos.

Confirmar ou desafiar esses arquétipos é nosso dever como espécie em evolução. Mobilizá-los e compartilhá-los só depende de nossa convicção e vontade. Convicção para não esmorecer, mesmo reconhecendo o poder da monstruosidade que está em curso; vontade para não nos distrairmos com inevitáveis dificuldades, e não perdermos o foco de nosso objetivo.

Atribui-se a Buda (vivido no período de 563-483 a.C.) a lição de que “toda grande caminhada começa com um primeiro passo”. Na verdade, trata-se de uma metáfora que nos conduz não ao ato físico propriamente dito, mas à determinação de agir quando e sempre que as condições apropriadas estiverem postas. E isto ocorre a todo momento de nossa existência.

Quem é de cantar, que cante com a melhor técnica e emoção; quem é de falar e escrever, que escolha as palavras mais pertinentes e compreensíveis, para que a mensagem não se perca. Quem é de correr, que o faça com determinação e leveza; quem é marceneiro, padeiro, escriturário, jornalista, jardineiro, professor, médico, serralheiro, aluno, encanador, enfermeiro, advogado, balconista, pintor, entregador, todos, de qualquer profissão, de qualquer ofício ou atividade tenhamos em mente que o “primeiro passo” é a disposição de fazer sempre o nosso melhor.

A monstruosidade que está em curso nos empurra, como indivíduos e sociedade, para a displicência, o descrédito, a impotência, o medo, a desistência. É com esses ingredientes que ela nos submete, extraindo do nosso sangue, nervos, músculos a seiva capaz de nutrir as mais efetivas e eficazes ideias de luta que possamos elaborar — a monstruosidade embota nossas ideias, logo as ideias, onde tudo começa!

É urgente que aumentemos nossa velocidade reativa. Mas ela não pode ser aleatória, descoordenada, inconstante, ingênua e débil. Para sermos efetivos e eficazes, ‘é preciso estarmos atentos e fortes’, como já nos avisaram Gilberto Gil e Caetano Veloso em 1969, no canto incisivo de Gal Gosta. 

Não nos iludamos, porém. Muita desgraça ainda veremos e sofreremos pela frente. A monstruosidade está em pleno curso, apostando no aprofundamento de nossa fraqueza espiritual, festejando o individualismo, promovendo o ódio a serviço da ganância, à espera de nossa rendição. Não a deixemos passar! Não temos mais direito, nem tempo de errar.