Olhemos para o básico. A Terra nos oferece três tipos de riquezas: animais, vegetais e minerais, além de outras renováveis, como a luz solar, o ar e a água, embora esta esteja submetida à degradação continuada, à escassez crescente e ao encarecimento devido aos elevados custos de depuração ou dessalinização. Não se tratam de um legado, essas riquezas, mas de um usufruto, pois a Terra, ela mesma, é constituída desses mesmos elementos, e através deles se nutre.
Tais recursos naturais são o que garante a continuidade da via do prosseguimento, que é como defino os processos desencadeados desde o advento dos primeiros humanos, destinados a prover e aprimorar nossa condição física, mental e, se formos capazes, também espiritual.
No entanto, a exploração intensiva desse patrimônio, decorrente do crescimento demográfico (somos hoje quase 8,2 bilhões de seres) tem produzido a fragilização do planeta. Tanto porque sua utilização é intrinsecamente destrutiva (vegetais e animais), quanto por se tratarem de elementos finitos e sua extração (minérios) ser causadora de profundos impactos ambientais. Exemplo dramático são os hidrocarbonetos, que sustentam nosso modelo de civilização e estão se esgotando, enquanto seu consumo se expande.
Parte significativa da sociedade planetária, herdeira de antigas e sucessivas linhagens de poderosos indivíduos (‘as velhas famílias’), age no sentido predatório, defendendo o direito à posse privilegiada de todos os recursos naturais, não apenas para o seu próprio usufruto, mas, principalmente, para ampliar seu estoque de renda, bem como acumular patrimônio — são os praticantes da ideologia capitalista, em todos os seus matizes e localizações geográficas.
Outra parte também numerosa, orientada pela ideologia socialista, distributiva — e que, convenhamos, não existe em estado puro, pois, para que isso se realize é necessário que a humanidade, em seu conjunto, alcance o patamar da maturidade espiritual —, busca promover a exploração de tais riquezas segundo a lógica do interesse coletivo. Ou seja, feita racionalmente, de acordo com as necessidades, sem perder de vista a ameaça de fragilização planetária. Este é o segmento que se coloca no centro do espectro social.
No extremo oposto temos aqueles que se inspiram no purismo ideológico conservacionista, defendendo a tese de que as riquezas do planeta devem ser integralmente preservadas, porque Gaia (a visão da Terra como um único organismo) já atingiu seu extremo de depredação e, tanto quanto qualquer ser vivo, precisa ser protegida. Como alternativa, defendem que a humanidade adote modos de sobrevivência idealizados, voltados para a vida simples, natural e equilibrada. Não são tão numerosos, mas são os mais motivados e conceitualmente aceitos por segmentos do estrato intermediário, o distributivista, e simultaneamente instrumentalizados pelo primeiro grupo, o dos capitalistas.
De que forma superar esse complexo dilema existencial, se cada grupo possui sua força e seus argumentos? Como sempre, é preciso recorrer à Filosofia, sempre ela!
Atribui-se a Aristóteles (384-322 a.C.) a chamada doutrina do meio-termo, em que a virtude e a sabedoria residem no equilíbrio entre dois extremos, evitando tanto o excesso quanto a deficiência. Ela pode ser aplicada à maioria das atitudes e ações humanas, com exceção daquelas relativas à ética e à moral, como a honestidade, respeito ao próximo, responsabilidade, cooperação, lealdade, empatia, liberdade, altruísmo, justiça, onde a verdade ocupa uma postura intransigente.
No caso da utilização dos recursos da Terra em prol da via do prosseguimento, não há como fugir da regra aristotélica. Mesmo que venha a ser reduzido, ao custo de políticas repressivas de governos, o crescimento demográfico não será conveniente a longo prazo, pois é necessário haver equilíbrio entre morte e nascimento de indivíduos.
O caso chinês é o maior exemplo disso: sua política do filho único, implantada em 1979, passou a ser flexibilizada em 2015 porque causou desequilíbrio de gênero e um rápido envelhecimento da população. Atualmente, a China até incentiva nascimentos, mas enfrenta declínio populacional devido a fatores como o alto custo de vida e mudanças culturais.
Outra iniciativa, esta cruel e perturbadora, tem o patrocínio do primeiro grupo social, de forma cada vez menos dissimulada: reduzir a população do planeta através da imposição da fome, da disseminação de pandemias, da promoção de guerras, genocídios etc.
Essa estratégia, no entanto, está fadada ao insucesso, como temos visto. Seu ponto irreversivelmente fraco é que as desgraças provocadas (miséria, doenças, conflitos, extermínios) não se restringem ao grupo-alvo (a massa empobrecida), mas impactam todas as camadas da população planetária, dado que a sociedade é um corpo intercomunicante e interdependente. A crise migratória está aí para provar este fato.
Voltamos à doutrina do meio-termo. Não há como negar que a Terra está plenamente ocupada por seres humanos, e que cada um desses bilhões de indivíduos faz jus ao seu quinhão na via do prosseguimento — esta é uma daquelas questões éticas e morais com as quais não podemos transigir. Como oferecer os meios para que esse compartilhamento equitativo de benefícios ocorra?
Só há um modo capaz de conciliar os três grupos sociais acima descritos: rompermos o ciclo vicioso da imaturidade (e alcançarmos aquilo que denomino de consciência cósmica, ou seja, pertencemos a este planeta mas estamos integrados ao universo) e, a partir desse novo patamar espiritual, harmonizarmos nossa convivência com a Terra, dela recolhendo o estritamente necessário (alimento, água, ar limpo, energias sempre mais renováveis, insumos estratégicos reutilizáveis e recicláveis, como minerais, por exemplo) para prover e avançar na via do prosseguimento.
Isto não nos garantirá vida eterna, mas nos dará a chance de um novo paradigma de felicidade.
A ironia é que só chegamos a este ponto porque alcançamos o limite.
A escrita é a grande invenção. Foi a escrita, na verdade, aquilo que transformou um certo ser irracional em humano, esta espécie que domina o planeta para o bem e para o mal. Com a escrita, apenas, este blog se propõe a analisar e opinar sobre alguns dos principais temas da atualidade, no Brasil e no mundo, como qualquer cidadão faz ou deveria fazer. Meu nome é Oswaldo de Mello. Sou jornalista.