Reflexões sobre o caos

Sempre que minhas conversas políticas, ainda que entre amigos, revelam uma impossibilidade de solução negociada, um impasse resolutivo, se assim se pode dizer, costumo recorrer à "máxima"  como define um dileto companheiro de que 'é impossível cavalgar o caos'.

Caos, dizem os dicionários, 'é um estado de coisas em que o acaso é supremo'. Isto é, onde o imponderável parece tomar as rédeas e de onde inesperados paradigmas têm grande chance de se estabelecer.

O fato é que este momento vivido por nossa espécie parece apontar, com precisão, para um quadro clássico de caos. Não nos iludamos, portanto: das condições caóticas que estão postas neste exato instante de nossa presença na Terra, tudo indica que nenhuma convergência racional resultará, apesar de todos os códigos, acordos, contratos estabelecidos ao longo da construção deste nosso modelo de civilização.

Chegamos, até onde nossa compreensão alcança, ao derradeiro impasse civilizacional: a (aparentemente) incontornável extinção de nossa espécie, seja pela via nuclear, biológica ou climática, ou ainda pelas três juntas, sem desconsiderarmos as potenciais ameaças oriundas do espaço.

O desespero coletivo só não se instalou, ainda, porque a maioria dos 8 bilhões de indivíduos que habitam a casca deste planeta permanece aprisionada às pequenas lutas cotidianas  ou mesmo às lutas médias (sociais), ou às grandes lutas (transnacionais) , não se dando conta do tamanho da desagregação que está em curso. Desagregação que não começou agora, mas que se intensificou e complexificou nas últimas três décadas, a partir do advento da comunicação globalizada.

Neste curtíssimo período de menos de trinta anos, todas as fobias, taras, violências, crueldades e medos reais ou imaginários passaram a ser expostos, e amplamente compartilhados e impulsionados através da chamada rede.

Esse massacre psicossocial produziu um verdadeiro estado de estresse planetário, potencializado durante o confinamento social imposto pela pandemia, e que agora, nestes dias pós Covid-19, se estende às sequelas físicas e mentais deixadas pelo coronavírus, nesse segundo caso vitimando em especial crianças e adolescentes.

Vivemos, em verdade, os últimos suspiros de uma ilusão de futuro, agarrados às velhas e carcomidas tábuas de salvação representadas pela religiosidade, o negacionismo e o cientificismo.

A saída dessa condição limite não se dará pelo caminho da racionalidade política. Os lados que se opõem, com todas as suas inúmeras facetas, não admitem ceder, recuar, abrir brechas para qualquer ínfimo entendimento. Pior: cada um, a seu modo, engana-se, pensando que pode 'cavalgar o caos', ou seja, beneficiar-se da confusão reinante.

É impossível cavalgar o caos, e explico: uma vez instaurado, como o vemos agora em sua expressão extrema, superlativa, o caos assume a condição de único protagonista da História, atraindo para sua dinâmica errática todas as possíveis manifestações distópicas, desorganizadoras, dissonantes, incoerentes, desarmônicas.

Soberba, como aprendeu a ser, nossa espécie julga estar no controle. Mas a realidade é que lá na frente, se o acaso, se o imponderável nos conceder tal sorte, o que haverá serão outros paradigmas.

Serão, por exemplo, outras formas de interação social, possivelmente (espera-se!) imunes de algumas das imaturidades psíquicas que construíram o atual modelo civilizatório, e que nos conduziram ao presente impasse. O caos não é bom, nem é mau. Ele é apenas o indomável construtor da grande História cósmica.