Erramos

O fim nos chama.

Lentamente.

Não esperemos que ele nos alcance assim,

mediante magnífico estrondo, 

onda colossal, 

insuportável seca, 

lava infinda descendo dos montes.

Ou mesmo na mais pan das pandemias.

Brindados por aquele meteoro redentor errante.


Não.

Não teremos tal sorte.

O fim nos chama, mas lentamente.

Restemos firmes, 

bravos idiotas!


Chegará o dia em que tudo

nos parecerá natural,

necessário,

lógico.

 

Frente ao calor silente,

ao frio integral,

ao delírio da sede definitiva, sem oásis,

tudo enfim fará sentido.


Não, não pecamos. Erramos.

Chega de autopiedade.

Erramos.

De novo e sempre: Erramos.

Santos, sempre Santos!

Não sei quantas vezes ouvi, ou li, que futebol é igual à vida. Sempre aceitei essa ideia, porque gosto de futebol, embora me perguntasse: por quê apenas o futebol, se todos os esportes coletivos, em especial, baseiam-se no trabalho em equipe e dependem da prática da superação?

Vou tentar entender isso mas, por enquanto, confesso que gosto desse esporte. Ou melhor, sou Santos Futebol Clube, aquele que escolhi para torcer desde que nesta cidade cheguei aos 14 anos, em 1962, no auge da era Pelé.

Não tenho simpatia por qualquer outro time; é como se eles só existissem como nossos coadjuvantes (desculpem a arrogância). Se jogasse contra a Seleção Brasileira, mesmo que esta contasse com jogadores santistas, ainda assim eu torceria pelo Santos. Por isso, por essa inteira dedicação afetiva, certamente, é que só assisto a jogos do Santos, ou jogos cujos resultados tenham algum interesse direto para o Santos.

Para não dizer que sou sectário, admito que às vezes também torço pelo Jabaquara, ou pela Portuguesa Santista, o que é uma prova de que, na verdade, estou sempre torcendo por Santos, a cidade, ou, indiretamente, por aquele time que leva seu nome ou carrega a sua alma. Santos é a minha nação. Sua camisa, a branca, principalmente, é um sagrado manto, a soma de todas as cores.

Quando assisto aos jogos do Santos pela televisão, procuro primeiramente observar o semblante dos jogadores ao entrarem em campo. Quase sempre intuo um bom (ou mau) resultado a partir da expressão dos atletas. Se algum está de cabeça baixa, sempre me preocupo. Prefiro que estejam todos de olhos postos no infinito, pois isso me garante, digamos assim, que estão cientes de seus deveres profissionais; atentos aos movimentos mais sutis dos adversários; focados nas possibilidades que aqueles 90 minutos de suas vidas lhes proporcionarão.

Sei que os arranjos táticos importam; reconheço a importância do preparo físico; respeito a melhor qualidade desse ou daquele atleta das equipes concorrentes, mas entendo que nada supera o comprometimento mental e a disposição emocional de um time, se seus onze jogadores estão imbuídos do mesmo espírito de cooperação e entrega. E isto está claramente expresso no modo como adentram o gramado.

Se isso é ser igual à vida, então começo a entender aquela frase com que definem o futebol. Talvez outros esportes coletivos tenham o mesmo condão de mimetizar a complexidade da existência humana, mas, por algum motivo, só o futebol, o soccer, o calcio ousou conquistar o status que ele detém em nossa sociedade planetária.

Sim, porque o futebol certamente é o esporte mais popular da Terra. Sua capacidade de mobilização é inquestionável e frequentemente manipulada na tentativa, quase sempre frustrada, de se obter dividendos políticos. Um caso exemplar ocorreu em 1970, quando a ditadura militar que comandava o Brasil buscou capitalizar a conquista do tricampeonato na Copa do Mundo, no México.

Não obteve sucesso, pois as pessoas, os torcedores, o Brasil inteiro entendeu que aquela estrondosa vitória era fruto do talento, da vontade e dedicação daqueles atletas brilhantes, capitaneados pela genialidade de Edson Arantes do Nascimento, o camisa 10 do Santos Futebol Clube.

Ontem à noite, 6 de dezembro de 2023, o SFC foi pela primeira vez em mais de um século rebaixado para a segunda divisão do futebol brasileiro; e isto exatamente no ano em que Pelé, o atleta do século XX, o inventor do futebol moderno (e de toda essa magia que o cerca) foi sepultado.

Hoje, dia 7, os principais jornais do mundo não perdem tempo falando da equipe que conquistou o Campeonato Brasileiro de 2023; falam do Santos Futebol Clube, do time de Zito, Gilmar, Mengálvio, Lima, Carlos Alberto, Durval, Pepe, Coutinho e de tantos outros mágicos que ajudaram Pelé a construir uma lenda.

Santos, sempre Santos! 

O petróleo e o nosso modelo de civilização

Um dos principais debates, hoje, no planeta, gira em torno da substituição dos combustíveis fósseis como fontes de energia. As posições têm sido sustentadas de forma apaixonada, especialmente quanto à continuidade de se utilizar hidrocarbonetos (petróleo, gás natural e hulha) como matriz energética. No Brasil, discute-se particularmente a conveniência da exploração do potencial petrolífero da margem equatorial (entre os estados do Amapá e Rio Grande do Norte).

As estimativas do Ministério de Minas e Energia (MME) do Brasil para essa área indicam um potencial de cerca de 10 bilhões de barris de óleo, com poder de gerar US$ 56 bilhões em investimentos, além de uma arrecadação da ordem de US$ 200 bilhões e criação de 350 mil empregos, conforme apurou o site "Migalhas".

De acordo com o 'perfil de refino' do Brasil, e dependendo do tipo de petróleo utilizado, de cada barril são produzidos 40% de diesel,18% gasolina, 14% óleo combustível (utilizado para aquecimento de fornos e caldeiras, ou motores de combustão interna para geração de calor), 8% GLP (gás de cozinha), 4% gasolina e querosene de aviação, 8% nafta (matéria-prima da petroquímica) e 8% outros.

Publicação encontrada no site da Petrobras sobre os derivados que fazem parte do nosso consumo cotidiano informa que as matérias-primas para os petroquímicos são a nafta e o gás natural (que se diferencia do GLP pela maior presença de propano em sua composição, cerca de 88%). Ainda de acordo com essa publicação, os petroquímicos são classificados como básicos, intermediários e finais.

Os básicos são eteno, propeno, butadieno, aromáticos, amônia e o metanol, a partir dos quais é produzida uma grande diversidade de intermediários. Estes, por sua vez, serão transformados em produtos petroquímicos finais como os plásticos, borrachas sintéticas, detergentes, solventes, fios e fibras sintéticos, fertilizantes, etc. A publicação detalha a aplicação industrial de alguns dos principais petroquímicos:

Eteno – seu principal derivado é o polietileno, que é usado na fabricação de sacos plásticos para embalagem de produtos alimentícios e de higiene e limpeza, utensílios domésticos, caixas d’água, brinquedos e playgrounds infantis. Dentre suas outras aplicações podemos destacar o PVC, usado na construção civil, em calçados e em bolsas de sangue.

Propeno – é a matéria prima para o polipropileno, usado, por exemplo, em embalagens alimentícias e de produtos de higiene e limpeza, peças para automóveis, tapetes, tecidos e móveis. Apresenta, além dessa, diversas outras aplicações como, por exemplo, produção de derivados acrílicos para tintas, adesivos, fibras e polímero superabsorvente para fraldas descartáveis.

Butadieno – usado principalmente na produção de borracha sintética, em pneus e solados para calçados, por exemplo.

Aromáticos – são matérias-primas para produtos como o PET utilizado em garrafas e fibras sintéticas, e o poliestireno, material empregado em eletroeletrônicos, eletrodomésticos, embalagens de iogurtes, copos, pratos e talheres e material escolar.

Metanol – é insumo para produção de biocombustíveis e de diversos intermediários químicos usados, por exemplo, pela indústria de móveis e de defensivos agrícolas.

Amônia – é uma das matérias-primas para a indústria de fertilizantes, sendo usada na produção de uréia e de fertilizantes nitrogenados utilizados nas culturas de milho, cana de açúcar, café, algodão e laranja, entre outras.

O conjunto de informações acima visa chamar nossa atenção para uma realidade inquestionável e dramática: os hidrocarbonetos, fornecidos pelo petróleo, a hulha e o gás natural constituem muito mais do que fontes de energia  eles são a espinha dorsal do modelo de civilização que temos desenvolvido desde meados do século XIX, para o bem e para o mal.

Investir na produção de energia limpa (hídrica, eólica, biomássica, geotérmica, maremotríz e até mesmo nuclear) é apenas uma parte do desafio civilizatório. Enquanto não forem encontradas alternativas (se é que elas existem) para a produção da infinidade de elementos químicos dos quais nossa sociedade depende  e não só os energéticos, insisto , os hidrocarbonetos não poderão ser descartados.

A mesma publicação do site da Petrobras, acima referida e linkada, nos informa: É praticamente impossível pensar o dia a dia sem a participação de algum produto obtido a partir da indústria petroquímica. Essa indústria (...) nos traz conforto e praticidade, sem que imaginemos quanta tecnologia e conhecimento estão envolvidos nas coisas mais simples. Existem produtos oriundos dessa indústria em roupas, colchões, embalagens para alimentos e medicamentos, brinquedos, móveis e eletrodomésticos, carros, aviões e cosméticos. Isso se deve (...) ao petróleo refinado em produtos que são a base para grande parte da indústria química.

Tendo essa compreensão em mente, só nos resta apoiar os esforços no sentido da aceleração do desenvolvimento de fontes energéticas limpas, ainda que, paradoxalmente, lançando mão de recursos advindos da exploração de fontes sujas, como o petróleo. E, seguramente, investir muito mais recursos, e de forma acelerada, na busca e desenvolvimento das matérias químicas imprescindíveis que hoje os hidrocarbonetos nos proporcionam. O resto é desinformação, hipocrisia, manipulação.

'Ars Humanae' quântica

Habilidade ou disposição dirigida para a construção de uma finalidade prática ou teórica, realizada de forma consciente, controlada e racional  este é o significado de Arte (do latim Ars, Artis), uma definição "breve e clara" para literalmente todas as ações humanas, numa conceituação que nos remete às ideias de ofício, expediente, obra, produto, talento etc

Tudo começou a mudar radicalmente no Renascimento (meados do século XIV ao fim do século XVI, na Europa), período histórico inspirado na Antiguidade Clássica grega, onde se passou a valorizar a racionalidade, em contraposição ao dogmatismo místico, religioso, obscurantista da Idade Média.

Ali, na transição do feudalismo para o capitalismo, paradoxalmente aos avanços científicos que se seguiram nos dois séculos adiante, a ideia de Arte como a construção de uma finalidade prática ou teórica, realizada de forma consciente, controlada e racional, perdeu sua abrangência, delimitou-se à utilização exclusiva que hoje lhe conferimos  a de expressão do belo.

Essa abrangência corrompida, reduzida e delimitada ao plano da estética  categoria da expressão humana destinada ao agrado dos sentidos e, em sua versão mais sutil, à incitação da racionalidade , embora nobre, retirou da compreensão e das ações cotidianas do homem o seu caráter de unidade. 

O que originalmente sempre fora Arte, as diferentes Artes do homem, a integralidade de seus conhecimentos  ars grammatica/a arte da gramática, ars liberales/as artes liberais, ars illiberales/as artes mecânicas, ars civiles/as artes da paz e da jurisprudência, ars disserendi/a arte da lógica, pessimae artes/os vícios detestáveis , deixou de ser assim compreendido e nomeado. Ganhou condição individualizada, apartada do todo, fragmentada, especializada.

Se isto abriu as portas da cognição para o advento do método científico, proporcionando a melhoria das condições de existência da espécie  mediante a ramificação da ciência, seu aprofundamento e consequente desenvolvimento de novas e renovadas tecnologias  não podemos ignorar o já citado paradoxo: também produziu a perda do sentimento do uno, do universal, e acelerou a compartimentação dos saberes, das Artis humanaes.

Se ainda restam dúvidas quanto ao peso determinante deste paradoxo para a ascensão do atual momento histórico, dominado por uma completa entropia, basta atentar para a abundância de conhecimentos e saberes já conquistados por nossa espécie, os quais, compartimentados (entre vários campos científicos que mal se comunicam) e exclusivisados (acessíveis apenas a seus proprietários; não socializados), estão longe de servirem ao interesse comum e não nos tem proporcionado qualquer possibilidade de quietação.

O fato é que a História cobra seu preço: ganhamos de um lado, perdemos do outro. Assim tem sido em cada mudança de época, todas elas provocadas por grandes cataclismos naturais ou produzidos pelo homem em seu processo civilizatório.

Falamos da virada da Idade Média para o Renascimento. Mas podemos nos referir ao advento da Idade Moderna (1453 a 1789), com a expansão do comércio marítimo, o descobrimento de novas terras, o intercâmbio com novas culturas, a absorção de conhecimentos de outros povos, mas, igualmente, o surgimento do colonialismo, da escravidão praticada em escala nunca vista, da retomada da força e influência das religiões em detrimento do respeito ao mistério da existência.

A Idade Contemporânea iniciada em 1789, com a Revolução Francesa, proporcionou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, mas também consolidou em definitivo a exploração capitalista, produziu o mercado de massas (essa dos supérfluos e da obsolescência programada), a destruição do ambiente, duas sangrentas guerras mundiais, a interminável Guerra Fria, o domínio da energia nuclear e a possibilidade de autodestruição da espécie. Esta é a Idade que, se diz, dura até hoje.

Assim como tantos outros, discordo dessa periodização. Desde as formulações de Albert Einstein, em meados da segunda década do século XX, seguidas da descoberta das propriedades da Física Quântica, não se pode mais falar em Idade Contemporânea. A própria ideia de contemporaneidade perdeu o sentido.

Sabe-se, agora, que nada é contemporâneo. Tudo está em movimento relativo. Tudo pode ser e não ser. No plano dos fenômenos físicos (ou seja, naquilo que somos, vemos, cheiramos, sentimos, ouvimos, experimentamos), tudo e nada tem a mesma importância, pois são interdependentes e complementares. Na verdade, talvez estejamos em plena Idade Quantum, aquela onde nosso combate existencial se dá em torno da menor quantidade de qualquer grandeza física. 

Ironicamente, penso eu, a evolução cognitiva nos está reconduzindo para aquela sabedoria de origem, onde o homem, embora erroneamente se achasse o centro do Universo, sabiamente se apropriava de todo o conhecimento disponível, sem compartimentá-lo, sem fragmentá-lo, apenas exercitando a Ars humanae.

Em nosso favor, podemos alegar que a massa e variedade de conhecimentos hoje disponíveis nos impedem de exercer a integralidade e interdisciplinaridade de seu uso. Mas isso podia ser verdade até ontem. Hoje, amanhã, com os avanços na computação quântica, por exemplo, estamos diante da iminência de uma nova e ampla fronteira civilizacional.

Que os anjos digam Amém!

Viva a TV Justiça! Vivam as redes sociais!

Uma tese que ganhou força em 2012, com o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do chamado 'Mensalão' principalmente entre intelectuais, em especial do campo progressista , foi a de que o televisionamento das sessões seria contraproducente para o bom andamento dos trabalhos da Corte, e para aquele processo em particular.

Envaidecidos pela notoriedade conquistada, os 11 ministros  de quem, antes do advento da TV Justiça, em 2002, mal se conheciam os nomes haviam passado a julgar, dizia-se, não de acordo com os autos dos processos e à luz da Constituição, mas conforme a repercussão de seus votos junto à opinião pública. "Jogavam para a plateia", como se afirmava, apontando os riscos que esse comportamento midiático representava para a produção de justiça.

Dizia-se mais: que as frequentes aparições na imprensa, artigos publicados e entrevistas concedidas por aqueles (e esses) ministros seriam um desvio em relação às suas obrigações e deveres, dado que "juiz só deve se manifestar nos autos". A título de exemplo de "boa conduta jurisdicional", apontava-se o modelo norte-americano, onde, além de não haver sessões televisionadas, os integrantes da Suprema Corte manteriam distância dos holofotes, seriam discretos e, por isso, pouco conhecidos da maioria da população. Recentes denúncias envolvendo o ministro Clarence Thomas (que podem ser conhecidas com uma busca simples na internet) desmentem em grande medida esse mito.

É verdade que o componente da fama adquirida e, muitas vezes, ostensivamente buscada por integrantes da Magistratura e do Ministério Público brasileiros foi, e tem sido, fator de distorção em muitos julgamentos. Exemplo clássico, que certamente já vem sendo estudado nas faculdades de Direito: as irregularidades (incompetência e suspeição) cometidas pelo juiz e promotores da 13ª Vara Federal, de Curitiba, na caso 'Lava Jato', e que levaram à anulação dos processos contra o então ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e continuam a ameaçar a carreira de inúmeros integrantes do sistema de justiça.

Cabe, no entanto, a pergunta: O que é mais prejudicial à promoção da Justiça e, em última análise, ao aperfeiçoamento da Democracia, a exposição televisiva dos ministros do STF e o imediato escrutínio de seus votos por especialistas nas matérias em julgamento (ou mesmo por leigos) ou a proferição desses votos em ambientes fechados, acessíveis apenas aos diretamente envolvidos e a poucos jornalistas credenciados?

Ora, é sabido que vivemos o tempo das comunicações globalizadas e instantâneas, onde as redes sociais se impõem como instrumentos capazes  em tese  de proporcionar o alargamento do debate de todas as questões que digam respeito ao conjunto da sociedade. Num tempo como este, em que se está a construir um novo paradigma, não é mais possível, nem desejável, evitar a ampla publicização dos pensamentos e atos dos agentes públicos. em especial os do Judiciário.

No caso do  se assim podemos defini-lo  modelo brasileiro, em desenvolvimento desde a criação da TV Justiça, sem dúvida que houve e tem havido exageros, decorrentes da súbita popularidade adquirida e claramente mal administrada por personagens deslumbrados (ministros foram aplaudidos em shoppings, supermercados, restaurantes, estádios de futebol; alguns chegaram a admitir, publicamente, que se pautavam pelo "clamor das ruas", como se "as ruas" fossem inequivocamente detentoras da verdade e portadoras da sabedoria).

É sabido e assentado em lei que uma das obrigações do magistrado é conhecer todas as possíveis facetas do caso em julgamento e, se necessário, decidir contra o senso comum. Então, como se explicam as rotineiras quebras desse esperado princípio? Seriam consequência apenas e tão-somente da novíssima exposição midiática desses indivíduos? Seriam os meios de comunicação responsáveis pelos desvios na conduta profissional dessas pessoas, ou isto resultaria de fatores anteriores e mais profundos?

De fato, os brinquedos novos têm o condão de nos infantilizar, e as atuais tecnologias comunicacionais, com suas engenhocas e múltiplos recursos, são também isso, brinquedos e distrações para adultos, enquanto a ampla exposição proporcionada pelas redes sociais atuam sobre a carência afetiva e a vaidade dos seres humanos em geral, sejam eles juízes, promotores, ou reles mortais. Portanto, o que não podemos nos esquecer é de que o Homo sapiens ainda não alcançou o estágio da maturidade emocional. Este é o ponto.

Somos capazes de elaborar e comprovar sofisticadas teorias científicas, inventar e produzir espantosas facilidades tecnológicas, desenvolver habilidosas maneiras de convivência social e, imodestos, nos iludimos com tais saberes e poderes, julgando-nos seres civilizados. Qual o quê!, diziam os mais antigos.

Frente ao paradoxo existencial produzido por esse autoengano enraizado em nossa cultura globalizada, é preciso pontuar o óbvio: todo e qualquer indivíduo de bom-senso há de convir que muitos desafios civilizacionais precisam ser enfrentados, até que se conquiste a maturidade, sendo um deles a produção de justiça a partir da estrutura legal construída por nossa sociedade (que agora conta com a valiosa possibilidade de ser acompanhada e avaliada pelo conjunto dos cidadãos).

É preciso saudar essa oportunidade que o avanço das ciências e as tecnologias de comunicação estão a nos proporcionar. Há um preço a pagar, sem dúvida, e este é a difícil convivência com indivíduos dotados de poder, e que se revelam totalmente imaturos para exercer suas funções institucionais. Ainda assim vale a pena seguir adiante com o processo em curso, até porque essas tecnologias são irreversíveis e só tenderão a aprofundar a exposição do caráter humano.

Limitando-nos ao caso específico dos profissionais a quem a sociedade delega o poder de promover justiça, o fato desses ilustres indivíduos poderem agora ser acompanhados, ao vivo, pela televisão e redes sociais globalizadas, bem como avaliados, cobrados e muitas vezes desmascarados em suas intenções, constitui um novo alento no sentido da conquista da maturidade da espécie. Isto me parece inquestionável.

Tive clareza desse fato, mais uma vez, nesses dias, com a retomada do julgamento do denominado Marco Temporal  em que se pretende revalidar o processo de espoliação das terras milenarmente pertencentes aos povos originários —, ouvindo e vendo os votos, apartes e argumentações de ministros do Supremo Tribunal Federal.

Minha conclusão: esses empoderados cidadãos precisam e devem ser acompanhados e cobrados pelo conjunto da sociedade. E, para que isto aconteça, se mantenha e se aprofunde, dou aqui um viva à TV Justiça e às redes sociais!

"Gente fina, elegante e sincera"

Tomo o exemplo do Brasil. Após seis anos de governos de extrema-direita, com acento neofascista no período 2018-2022, um candidato reformista, de centro, ganhou as eleições e assumiu a Presidência em janeiro de 2023. 

A campanha eleitoral (que na verdade havia começado em 1º de janeiro de 2019, quando da posse do neofascismo à brasileira patrocinado pelas Forças Armadas e, pasmem!, antinacionalista) foi uma guerra, onde a força do Estado foi colocada a serviço do candidato a duce, sem qualquer contestação ou resistência das chamadas instituições (Legislativo e Judiciário). Bem ao contrário.

Para superar essa monolítica estrutura, o candidato da oposição ainda teve de enfrentar a novíssima máquina de produzir mentiras  fakenews , e assim manipular consciências, que desde meados dos anos 2000 vem se estabelecendo na rede mundial informatizada, a internet, com a conivência das bigtechs do setor.

Isto sem nos alongarmos na explicação de que esse mesmo candidato de oposição havia sido quase destruído, física e politicamente, de 2014 a 2019, porque a oligarquia econômica do país não aceitava que ele pudesse voltar ao poder (quando a ascensão do neofascismo ainda não estava no horizonte), para dar continuidade às políticas de distribuição de renda que havia implementado em sua primeira passagem pela Presidência (período de 2003-2010).

Volto lá: após seis anos de extrema-direita, desesperados com o avanço da destruição do país, segmentos da oligarquia econômica nacional decidiram pedir socorro à liderança reformista de centro; restauraram, na medida do possível, a credibilidade dessa liderança; apoiaram sua eleição; e garantiram a sua posse. Feito isso, imediatamente passaram a fustigá-la, em defesa de seus nacos de poder. 

Até aqui, tudo mal, mas ainda assim tudo bem; nada de novo no front. O que não está bem, embora igualmente não seja uma novidade, é o comportamento dos 'teóricos da revolução', que a todo dia e cada instante manifestam seu inconformismo com as atitudes do governo de centro que (re)assumiu o poder.

Para esses revolucionários de banho tomado, o líder reformista que tirou o país do abismo deveria implantar tal e qual política, adotar esse e aquele comportamento, assumir essa e aquela postura, inclusive e principalmente no plano internacional, caso contrário 'tudo terá mudado para que tudo fique como está' (mais ou menos o que disse um personagem do romance 'O Leopardo', do escritor Giuseppe Tomasi di Lampedusa).

Esquecem esses revolucionários de barriga cheia que o que houve no Brasil, em 30 de outubro de 2022, não foi uma revolução, mas uma (dura) eleição, que quase foi perdida para a extrema-direita neofascista entreguista brasileira.

Na verdade, não é que esses teóricos exatamente esqueçam, ou não entendam, o que se passou naquele 30 de outubro e o que está se passando no país desde aquele dia. O que eles querem, na verdade, é que os outros façam a revolução que eles preconizam. Se não o fizerem, tudo o mais estará errado. E, pior, estaremos perdendo 'mais uma oportunidade histórica de mudar tudo'.

Não é preciso dizer o quanto de insuficiência cognitiva existe nesse tipo de raciocínio. Mas é preciso afirmar que esses revolucionários de sempre poderiam, ao menos, tentar (finalmente) entender que há, sim, uma revolução em marcha. 

Certamente não é o tipo de revolução romântica que eles têm na cabeça  aquela em que o sangue corre nas calçadas e milhões morrem nas ruas, enquanto ele, o revolucionário, refugia-se num país neutro, ou do lado dos prováveis vencedores, onde engendrará a resistência ou, quem sabe?, uma nova revolução.

Não é mesmo esta a revolução em curso, em especial nesta primeira metade do século XXI. A revolução que se desenvolve a todo vapor  ou melhor, à velocidade da luz  é a da total, completa e irrefreável exposição pública das emoções, dos sentimentos e dos medos que a todos governam. É a revolução da Comunicação globalizada.

Nesse contexto revolucionário, para usarmos terminologia da década de setenta, um governo reformista "de gente fina, elegante e sincera", como disse o poeta pop, já será (e é) um ganho enorme, um avanço fabuloso, desde que tenha a habilidade para seguir adiante, paulatinamente adiante.

A conciliação da espécie é incontornável

Embora a rotina cotidiana, as paixões, os desejos, as necessidades de cada um nos impeçam de atentar devidamente para o que ocorre no mundo, o fato é que este planeta está atravessando, neste exato instante, um período crucial para o prosseguimento do Homo sapiens.

A civilização que viemos construindo desde muito antes destes 2.024 anos denominados depois de Cristo cujas raízes históricas nos remetem na verdade às (ainda que) incipientes relações estabelecidas entre aqueles indivíduos dos tempos primordiais , essa civilização está claramente esgotada.

Esgotou-se exatamente agora há pouco — adotando-se o ponto de referência cristão amplamente aceito —, na passagem do chamado segundo para o terceiro milênio. Ao longo desses dois e dos demais milênios que os antecederam, a espécie humana organizou-se dos mais diferentes modos, buscando, teoricamente, a forma mais eficaz de compartilhar a experiência de viver.

Falhamos. porém. Desperdiçamos todas as chances. Erramos inclusive nas tentativas de remediar nossos seguidos fracassos, como é o caso daquele brilhante (mas insuficiente) sistema a que se denominou socialismo científico, formulado em meados do século XIX.

E por que falhamos? Falhamos porque fomos condescendentes com nossa imaturidade emocional simples e trágico assim. O fator psique humana nunca foi levado na devida conta nos arranjos sociais que formulamos.

Há muito sabemos que nossas ações são determinadas pela forma como lidamos com o medo — não o medo disto ou daquilo, mas ele próprio, o medo, esse elemento constitutivo de todos os seres vivos, que se potencializa ainda mais no psiquismo de nossa espécie, pois somos dotados do poder de fazer.

O fato do nosso fazer ser guiado pelo medo é o elemento definidor do nosso sucesso, mas também e principalmente do nosso fracasso. Do sucesso, porque é ele, o medo, que nos desafia a superar obstáculos; do fracasso, porque ele também é responsável por nossas inseguranças e pelos sentimentos e ações que as acompanham: ódio, preconceito, indiferença, violência.  

A tragédia deste momento — e não esqueçamos que a história do Homo sapiens constitui ínfima parte da História grande, a cósmica é que o debate civilizacional reduziu-se, finalmente, à disputa entre dois fabulosos (porque possuidores da força nuclear bélica) contendores: o Ocidente, tendo à frente os Estados Unidos da América; e o Oriente liderado pela China.

EUA x China, China x EUA. Tudo mais são satélites gravitando em torno desses dois eixos, alguns tangenciado a ambos, ainda sem a certeza de que serão bem-sucedidos nessa busca de equidistância. É o caso notório do Brasil, especialmente agora, sob o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Lula afirma com veemência que a sua guerra, a nossa guerra é contra a pobreza e a fome, produzidas pela secular má distribuição de renda. Seu diagnóstico e determinação estão corretíssimos. Resta saber se ele contará com as condições objetivas para liderar essa guerra social interna (o que por si só já seria e será difícil), em meio a um cenário externo aceleradamente mais conflituoso.

Cenário em que os EUA, a potência (nuclear, repito) que declina, recusa-se a ceder terreno à potência (nuclear) que emerge, a China. Por enquanto, hipocritamente — como é frequente, quase uma regra, entre nós, humanos — a tensão entre as duas maiores potências circunscreve-se ao âmbito comercial, como se se tratasse de uma disputa entre cavalheiros.

A carnificina se dá entre satélites de lado a lado, como ocorre na guerra Rússia x Ucrânia. O que se trava ali é a disputa Ocidente x Oriente. É a derradeira tentativa (fadada ao fracasso) de recolocar o Homo sapiens na via do prosseguimento, seja por uma improvável vitória da Rússia, seja por uma impossível vitória da Ucrânia. Improvável e impossível exatamente porque ambos os lados acenam, em última instância, com o uso da solução final, a nuclear.

Lula da Silva, quase solitariamente, tem atuado em defesa do bom-senso, propondo o diálogo entre Rússia e Ucrânia para a superação do conflito. Mas que diálogo seria possível, entre esses dois contendores, se eles próprios não se representam? O que é hoje a Ucrânia, se não um aríete a serviço do ainda presente Império americano? O que hoje é a Rússia, se não a linha de frente da guerra travada pelo postulante Império chinês?

Disse acima fadada ao fracasso porque, mais uma vez e sempre, ignora-se o elemento primordial do teorema tão bem demonstrado na "hierarquia de necessidades", do norte-americano Abraham Maslow (1908-1970): fisiologia/segurança/amor-relacionamento/estima/realização pessoal.

Nem o Ocidente, nem, agora, o Oriente, contemplaram, contemplam ou contemplarão o atendimento de todas as necessidades de espécie humana. Esforçam-se, no máximo, para suprir os patamares mais baixos daquela hierarquia (fisiologia e segurança). Ainda assim de forma insuficiente (como o fez o socialismo científico), pois passam ao largo desse elemento primordial, e também básico, que é a compreensão do medo.  

Este, enfim, é o drama definitivo enfrentado pelo promissor animal surgido há 2,5 milhões de anos, e que há 350 milênios, no Norte da atual África, evoluiria para o Homo sapiens. Não há mais o quê, nem porquê tergiversar. A conciliação da espécie é incontornável. 

Comunicação de Governo para a urgência destes tempos acossados pelo extremismo de direita

No início de 1990, a pedido da Telma de Souza — eleita Prefeita de Santos pelo Partido dos Trabalhadores em 1989 —, que se encontrava acossada pela mídia tradicional da Cidade, elaborei o projeto e implantei o jornal D.O.URGENTE, um Diário Oficial com as notícias administrativas, os serviços prestados pelo poder público, a conferência do noticiário publicado pelos veículos privados sobre a Prefeitura, e muitas outras seções de interesse da população. Por seu pioneirismo e inovação de conteúdo (sem personalismo, proselitismo ou panfletarismo), esse jornal foi um êxito editorial e político, tendo contribuído para o sucesso do Governo Telma, que terminou com 97% de aprovação, segundo o Datafolha.

No início de 2015, incomodado com as pressões de toda ordem que recaíam sobre Presidenta Dilma Rousseff, reeleita em 2014, resolvi pensar a Comunicação Social de seu Governo da mesma forma que havia feito quando da criação do D.O.URGENTE. O texto reproduzido abaixo é o mesmo que foi entregue à Telma em maio de 2015, o qual ela fez chegar às mãos de ministros do Governo Dilma. Nada aconteceu à época. No começo deste novo e crucial Governo Lula, decidi publicar aqui a íntegra daquela proposta de 2015, pois entendo que suas premissas continuam válidas, embora reconheça que, para ser implementada hoje, ela precisaria ser adequada a estes tempos de ainda maior predominância das redes sociais.

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VIA DO ESCLARECIMENTO

Razões, objetivos, operacionalização

As relações sociais estão mudando radicalmente, mas os governos continuam se utilizando de mecanismos antigos para realizar a sua Comunicação com os governados.

Hoje, a opinião pública se forma a partir do acesso instantâneo a sites de notícias, a blogs de divulgação e análises, às ferramentas globais de interação entre indivíduos, como Twitter, Facebook, YouTube e Instagram, entre outros.

Cada vez menos tempo temos para perder diante da TV, lendo jornais e revistas, ouvindo rádio. O público desses veículos está a cada dia mais velho, mais conservador, mais confuso com as manipulações a que é submetido, mais chocado com as mudanças que ocorrem à sua volta e, portanto, mais reacionário.

Há um abismo entre os governos e a sociedade. É no interior desse buraco que se prolifera o que há de pior nas relações humanas, sob o domínio do medo, da desconfiança, da desesperança, da prevalência do interesse individual sobre o coletivo.

Nossa proposta, denominada “Via do Esclarecimento”, visa atuar no gradativo preenchimento desse abismo existente entre o governo e sociedade. Para isso, sugerimos dar início à construção de um novo paradigma na Comunicação do Governo com a Sociedade. Tomar a Sociedade a partir de suas células, que são os cidadãos.

Falar para grandes massas, visando esclarecer as pessoas, é coisa do passado. Hoje se fala para cada pessoa, visando conquistar uma rede de indivíduos esclarecidos, motivados a disseminar os esclarecimentos por eles conquistados.

Neste sentido, pergunta-se: Por quê o lançamento de um novo Programa de Governo deve se limitar a uma solenidade, seguida de uma entrevista coletiva, acompanhada da distribuição de um press-kit e complementada por entrevistas exclusivas para veículos selecionados?

Esta fórmula, frequentemente antecedida e/ou contestada por vazamentos de versões a colunistas da imprensa tradicional, não mais produz resultados eficazes. Se é que um dia produziu.

Não serve para o esclarecimento sobre os objetivos do Programa, muito menos para explicar o COMO aquela iniciativa do Governo impactará o cotidiano das pessoas diretamente envolvidas.

Fica-se, assim, à mercê dos interesses dos grupos empresariais de comunicação e da competência e independência, nem sempre existentes, dos profissionais de imprensa encarregados da interpretação e divulgação dos objetivos do referido Programa.

A “Via do Esclarecimento” visa, exatamente, ocupar esse espaço de desinformação/má informação, preenchendo-o com canal/portal de relacionamento direto Governo-Cidadão.

No portal de “Esclarecimento e Cidadania” a ser criado estarão depositadas todas as informações relativas ao COMO cada Programa de Governo impactará a vida das pessoas.

Essa lista de COMOs será publicada simultaneamente ao anúncio oficial de cada Programa/Ação/Iniciativa governamental, de modo a que qualquer cidadão brasileiro, estando em qualquer parte do Brasil ou do mundo, terá condições de tomar imediato conhecimento do que o Governo está anunciando, sem esperar a intermediação dos velhos meios de comunicação.

E mais: as listas contendo os COMOs do Programas de Governo serão enriquecidas com links de referência, cópias de documentos, fotos-vídeos-memes e tudo o mais que puder ser agregado ao conteúdo das medidas/ações governamentais, construindo o acervo desse portal e o seu aprimoramento.

Desta forma, o portal “Esclarecimento e Cidadania” se constituirá, ao longo do tempo, num ponto de referência para o acompanhamento transparente dos processos administrativos em curso. E num manancial de sugestões, críticas e avaliações das ações de Governo — sob a moderação de seus administradores, para evitar o desvirtuando de seu propósito —, atuando em conjunto com as demais forças de pressão tradicionalmente existentes.

A elaboração dos COMOs de cada medida/ação de governo deve ser feita sob a supervisão de profissionais de Educação treinados no trabalho com jovens e adultos (Programa EJA, por exemplo), de modo a que os esclarecimentos estejam ao alcance de qualquer público.

A equipe encarregada desse processo deve atuar desde as etapas de discussão das justificativas das medidas/ações. Sua tarefa é transformar o complicado em simples. É decodificar toda medida técnica (seja ela da área da administração pública que for), de modo que o assunto e seus desdobramentos sejam plenamente compreendidos por todas as pessoas.

Meu adeus a Pelé

Teve um dia na década de 1970, trabalhando no Jornal da Tarde, na Geral (ou substituindo o Mauri Alexandrino, uma vez, na editoria de Esportes), que eu pus na cabeça que deveria entrevistar o Pelé; buscar dele uma explicação para a frase famosa de que "o brasileiro não sabe votar", que a esquerda festiva explorava à exaustão, para desmerecê-lo.

Minha intenção era veja se pode?! dar ao Pelé a oportunidade de esclarecer o que verdadeiramente quis dizer com aquela declaração.

Na verdade, o que eu queria mesmo era provar que o Pelé não era contra o povo, não menosprezava o povo, mas o criticava legitimamente, pois entendia que o povo, ainda que condicionado pela opressão secular, exercia mal o seu poder, não utilizava a sua força.

Era uma tese que eu tinha, e queria que o Pelé a corroborasse, para que o meu ídolo fosse redimido. Fiz aquilo que nenhum jornalista 'isento' pode fazer, mas fiz.

Foi dificílimo conseguir uma entrevista com ele. Entrei em contato com a escritório do homem, cheguei ao sujeito que era o assessor direto dele (me foge o nome, era um nome meio espanholado, bem conhecido, mas eu não lembro...). Expliquei que queria entrevistar o Pelé sobre aquela frase e ele fez cara de que não tinha muito interesse em agendar o encontro.

Dias depois, numa tarde de calor, estava eu lá jogado na Sucursal do Jornal da Tarde, na Rui Frei Gaspar, no Centro de Santos, à espera de alguma coisa, quando me chamam ao telefone e era o tal assessor do Pelé, dizendo que eu poderia fazer a entrevista naquela hora, imediatamente, que ele estava me esperando no escritório dele, ali perto da Sucursal.

Parti pra lá sem saber absolutamente nada do que iria perguntar. Tinha apenas a tal frase na cabeça. Cheguei, me levaram pra sala da secretária e logo depois me mandaram entrar na sala do Pelé. Ele estava sentado na mesa dele, com aquele sorriso, meio curioso, tendo ao lado, de pé e às vezes sentado, o Pepito ou Paquito (acho que era um desses o nome do sujeito).

De cara, esse Pepito ou Paquito me disse: "Não pode gravar nada (tudo bem, eu nem tinha gravador!) e também não pode anotar nada". Aí eu entrei em pânico, porque o ato de anotar é principalmente a possibilidade de registrar palavras-chaves, para depois reconstituir a conversa. Eu, particularmente, não tenho memória de elefante; minha memória é mais visual.

E foi assim, em pânico, que comecei a 'conversar' com o Pelé, mais preocupado em lembrar o que ele estava dizendo do que em pensar sobre o que ele dizia para preparar a pergunta seguinte. Ah, sim, o tal do Pepito ou Paquito, no final, ainda decretou: "Queremos ver antes o que vai ser publicado".

Saí de lá, depois de não muito tempo, em choque e revoltado, pois não admitia submeter minha matéria à aprovação do entrevistado. Fui pra Redação. Sentei na máquina e escrevi uma merda de matéria, acho que a pior da minha vida, pois deu um branco; eu simplesmente não lembrava de nada do que o Pelé havia dito.

Mesmo assim mandei o texto, um pequeno texto, acho que pouco mais de uma lauda, pra Redação em São Paulo, alertando que tinham me pedido para mostrar antes, mas que eu não havia feito isso.

Bom, o jornal não publicou, mas dias depois li uma matéria anódina de outro jornalista da Redação paulistana, que havia estado em Santos e entrevistado o Pelé exatamente sobre o que eu havia escrito no meu texto.

Sem dúvida que era uma matéria muito mais rica e extensa do que a minha, mas não esclarecia em nada sobre as verdadeiras intenções do Pelé com aquela famosa frase, "o brasileiro não sabe votar". Ao contrário, nas entrelinhas reafirmava o chavão esquerdista de que 'o Pelé não tinha jeito mesmo, era um alienado'. É claro que não estava escrito assim, mas o subtexto dizia isso.

Hoje, depois que saiu a notícia da morte (esperada) de Pelé, eu chorei um pouco. Acho que foi também pela matéria que eu não soube fazer com ele.

Bom, pelo menos eu apertei a mão de uma lenda e disse, lá para os meus botões: "Obrigado pelas alegrias que você me proporcionou".

Talvez tenha sido este o real motivo de eu ter insistido tanto em entrevistá-lo.

Descanse em paz, Pelé!

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Resolvi publicar aqui este texto (que escrevi para minhas filhas e filho no dia da morte do Pelé, 30 de Dezembro de 2022), depois de acompanhar no canteiro central da avenida da praia do Boqueirão, em Santos, a passagem do cortejo do Pelé, neste glorioso 3 de Janeiro de 2023. Glorioso dia porque pude acompanhar pela televisão o longo e emocionante velório realizado no exato meio do gramado do campo da Vila Belmiro --- onde tantas e tantas vezes vi Pelé jogar, ou "se apresentar ao público", como muitos hoje reconhecem --- e também testemunhar a homenagem prestada ao Rei do Futebol pelo não menos fabuloso Luiz Inácio Lula da Silva, há três dias empossado (pela terceira vez!) Presidente do Brasil.

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Veja aqui um pouco do cortejo do Pelé pela avenida da praia de Santos, São Paulo, Brasil.