O século deste homem

Tomando-se o entendimento de que os séculos são apenas uma convenção, um recorte temporal arbitrário da grande História (a cósmica, de onde se origina a materialidade e o espírito humano) e da pequena História (esta em que os humanos existem e agem), ouso afirmar que o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva é exatamente isso: o homem de um século que, a meu critério, se iniciou na primeira metade dos anos 1900.

Os mais céticos, e principalmente aqueles que sofrem de complexo de inferioridade, hão de perguntar: Mas, por que ele seria merecedor de tal distinção? Simples: porque Lula da Silva é um sábio intuitivo e prático dedicado ao difícil campo da Política, que é a arte de exercer o poder e a mais importante ferramenta em prol da conciliação da espécie. E porque realiza esse seu trabalho com sabedoria, num período singular, de inflexão civilizacional, em que esse tipo de qualidade mais necessária se faz.

Lula da Silva não está lá nas alturas tibetanas, confinado a um templo, jejuando e orando pela salvação da Humanidade. Ele está entre nós; é um ser mundano, frequenta a planície da vida pública nacional e planetária, expõe-se a todo tipo de crivo e mantém uma irretocável coerência, mesmo quando (aos olhos de seus críticos mais ferrenhos) erra.

Ah, mas desta forma você está pintando um deus, alguns poderão dizer. Bom, esse é o x da questão: Lula da Silva não é um deus no sentido religioso, ou mesmo mitológico, apartado das vicissitudes humanas. No entanto, ele e seres como ele (existentes em graus diversos de eficiência, espalhados pela superfície deste planeta) encarnam a essência do ser humano ideal, aquele que compreende e assume um compromisso com o futuro, sabendo que pode e deve agir no presente. Com o máximo de flexibilidade e o mínimo de erro.

O método de Lula da Silva é bem conhecido: ele acumula conhecimentos práticos (os teóricos, resultantes de suas leituras e conversas, ele mastiga, processa e os utiliza para enriquecer sua capacidade intuitiva) e se movimenta em sintonia com a realidade que está à sua volta. Ele não briga com os fatos da vida, pois sabe que estes são sempre dinâmicos e multifacetados.

Seu objetivo intuitivamente construído e consolidado, que se apoia nos sempre citados conselhos de sua mãe, Dona Lindú (sua referência de força/perseverança e, não por acaso, uma pessoa de carne e osso, e não uma construção mental), é a busca do primado da condição humana. Para quem ainda não sabe, isto significa dizer que Lula da Silva combate o melhor combate que todo ser humano poderia combater: a luta pela continuidade de nossa espécie, preservando condições dignas a todos, sem exceção.

Os indivíduos engajados nessa guerra cósmica, juntamente com Lula da Silva, não pensam (apenas) em si e nos seus. Pensam na espécie e, ao mesmo tempo em que momentaneamente se desesperam frente às incompreensões, e que às vezes se abatem diante das fraquezas de seus semelhantes, sabem relativizar tais falhas e falsetas e delas são capazes de extrair o ânimo, o combustível para perseverar em seu caminho; talvez apressando ainda mais o passo.

Graças às conjunções cósmicas, neste século de Lula da Silva é possível falar dessas coisas sem causar muita estranheza, tão desesperadas estão as pessoas em todos os recantos da Terra. Desesperadas e ansiosas por encontrar um sentido para suas vidas e uma razão para as dores e os desafios que a existência e o cotidiano lhes/nos impõe. E a Grande Nova, como diriam os cristãos, é que nada de novo resta a ser dito; o que nos cabe agora, enfim, é exercitar o livre arbítrio da forma que nos for possível, da forma como Lula da Silva faz.

Felizmente, e infelizmente, o homem deste século teve e tem tido a oportunidade de ocupar posições de poder, o que lhe permite pôr em prática a sabedoria intuitiva que ele vem construindo e aprimorando. O 'infelizmente', aqui, se refere ao fato de que no exercício dessas 'posições de poder' ele precisa lidar como a realidade cambiante e multifacetada, estando sujeito a desgastes e incompreensões.

Mas esse 'infelizmente', além de incontornável, também é relativo, porque, ao avançar apesar dos 'desgastes e incompreensões', Lula da Silva é didático e, ao mesmo tempo  como me referi acima , ganha forças para os passos seguintes rumo àquele seu objetivo de construir o primado da condição humana. Esse indivíduo não é um deus; isso não existe. Ele é um exemplo, e ao alcance dos nossos sentidos e de nossa compreensão.

Isso é o que eu penso sobre Lula da Silva. E digo mais: graças ao Cosmo esse indivíduo existe neste instante planetário. E ainda bem que ele é brasileiro, embora, de um ponto de vista pietro-ubaldiano*, talvez ele só pudesse mesmo ter surgido no Brasil, esta terra de tanta miscigenação, riquezas e possibilidades (e que recentemente passou por uma desafiadora prova de fogo, que foi a tentativa de destruição dessa sua condição transcendental).

(*) Pietro de Alleori Ubaldi (nascido em Foligno, Itália, em 1886, e morto em São Vicente, litoral de São Paulo, Brasil, em 29 de fevereiro de 1972) é definido como um "filósofo e pensador espiritualista". Mas, como já disse em outra oportunidade, esse é apenas um rótulo que lhe impuseram, pois sobrepõe seu discurso, em certos momentos espiritualista, embora não-dogmático, àquilo que de verdade é o cerne de suas ideias: a busca da emancipação do homem.