Talvez

Doze anos além

a nave

sem ruído 

rasga este solar sistema.

Ave, exato viajante!

De teus impulsos tácitos

compusemos fotos  

— relatos avançados.

E nossos medos significam

menos.


Em 25 de setembro de 1989, quando a Voyager II passou por Netuno, lançando-se para além dos limites do Sistema Solar (o que ocorreria em 25 de agosto de 2012), senti imediatamente que algo novo se inaugurava sobre a face da Terra.

As explicações que eu buscava, desde o início dos anos 1970, para todas as iniquidades presentes em nossa sociedade planetária, de repente começaram a tomar forma e fazer sentido.

Não me bastavam  como a tantos outros  as interpretações religiosas, tão desmoralizadas, e muito menos as sociais, políticas, econômicas e filosóficas então em voga. Sempre as considerei insuficientes, em particular a mais vistosa delas, a teoria do Socialismo Científico formulada por Marx-Engels na segunda metade do século XIX.

A situação do mundo, a cada dia mais deplorável, nos impunha uma abordagem além de religiões e ideologias. Desta forma, a visão daquele artefato construído por mãos humanas desgarrando-se em direção ao espaço estelar fez, de repente, tudo ganhar sentido para mim.

Senti-me infinitamente pequeno e também gigante. Uma poeira cósmica e um ser pensante. Uma impotência e uma potência. Uma realidade e um vir a ser.

Esse sentimento me veio de forma bruta, impactante, confusa e até cética. A partir dele passei a refletir sobre o que seria pertencer ao planeta Terra e igualmente ocupar um lugar no Cosmos.

Enquanto me dedicava às exigências do cotidiano, às necessidades de sobrevivência, à criação de meus filhos, voltei toda a minha atenção intelectual a esse questionamento.

Tudo o que passei a ler, ouvir e ver, muito mais do que ocorrera logo após as dúvidas do começo dos anos 1970, destinava-se a buscar a razão, ou as razões do fracasso do nosso modelo civilizacional, à luz da relação Terra-Cosmos, Cosmos-Terra.

A conclusão a que cheguei (e que não é só minha, digo logo) me pareceu muito clara a simples: nosso fracasso como espécie (e o que temos aí é sem dúvida um fracasso) se deve ao fato de que ainda não conseguimos alcançar a maturidade.

A imaturidade, ancorada no medo mais primitivo, aquele que integra a nossa essência genética e se transferiu para o nosso processo cognitivo, essa imaturidade tem nos bastado.

Com ela nos submetemos a crenças, estabelecemos relações sociais, erigimos estados, criamos regramentos de convivência, desenvolvemos ciências e construímos tecnologias facilitadoras de nossa sobrevivência.

Imaturos, progredimos materialmente.

Espiritualmente fracassamos, porque não soubemos alcançar a maturidade.

A boa notícia é que estamos nos dando conta deste fato.

Talvez tenhamos uma chance.

Talvez.