"Gente fina, elegante e sincera"

Tomo o exemplo do Brasil. Após seis anos de governos de extrema-direita, com acento neofascista no período 2018-2022, um candidato reformista, de centro, ganhou as eleições e assumiu a Presidência em janeiro de 2023. 

A campanha eleitoral (que na verdade havia começado em 1º de janeiro de 2019, quando da posse do neofascismo à brasileira patrocinado pelas Forças Armadas e, pasmem!, antinacionalista) foi uma guerra, onde a força do Estado foi colocada a serviço do candidato a duce, sem qualquer contestação ou resistência das chamadas instituições (Legislativo e Judiciário). Bem ao contrário.

Para superar essa monolítica estrutura, o candidato da oposição ainda teve de enfrentar a novíssima máquina de produzir mentiras  fakenews , e assim manipular consciências, que desde meados dos anos 2000 vem se estabelecendo na rede mundial informatizada, a internet, com a conivência das bigtechs do setor.

Isto sem nos alongarmos na explicação de que esse mesmo candidato de oposição havia sido quase destruído, física e politicamente, de 2014 a 2019, porque a oligarquia econômica do país não aceitava que ele pudesse voltar ao poder (quando a ascensão do neofascismo ainda não estava no horizonte), para dar continuidade às políticas de distribuição de renda que havia implementado em sua primeira passagem pela Presidência (período de 2003-2010).

Volto lá: após seis anos de extrema-direita, desesperados com o avanço da destruição do país, segmentos da oligarquia econômica nacional decidiram pedir socorro à liderança reformista de centro; restauraram, na medida do possível, a credibilidade dessa liderança; apoiaram sua eleição; e garantiram a sua posse. Feito isso, imediatamente passaram a fustigá-la, em defesa de seus nacos de poder. 

Até aqui, tudo mal, mas ainda assim tudo bem; nada de novo no front. O que não está bem, embora igualmente não seja uma novidade, é o comportamento dos 'teóricos da revolução', que a todo dia e cada instante manifestam seu inconformismo com as atitudes do governo de centro que (re)assumiu o poder.

Para esses revolucionários de banho tomado, o líder reformista que tirou o país do abismo deveria implantar tal e qual política, adotar esse e aquele comportamento, assumir essa e aquela postura, inclusive e principalmente no plano internacional, caso contrário 'tudo terá mudado para que tudo fique como está' (mais ou menos o que disse um personagem do romance 'O Leopardo', do escritor Giuseppe Tomasi di Lampedusa).

Esquecem esses revolucionários de barriga cheia que o que houve no Brasil, em 30 de outubro de 2022, não foi uma revolução, mas uma (dura) eleição, que quase foi perdida para a extrema-direita neofascista entreguista brasileira.

Na verdade, não é que esses teóricos exatamente esqueçam, ou não entendam, o que se passou naquele 30 de outubro e o que está se passando no país desde aquele dia. O que eles querem, na verdade, é que os outros façam a revolução que eles preconizam. Se não o fizerem, tudo o mais estará errado. E, pior, estaremos perdendo 'mais uma oportunidade histórica de mudar tudo'.

Não é preciso dizer o quanto de insuficiência cognitiva existe nesse tipo de raciocínio. Mas é preciso afirmar que esses revolucionários de sempre poderiam, ao menos, tentar (finalmente) entender que há, sim, uma revolução em marcha. 

Certamente não é o tipo de revolução romântica que eles têm na cabeça  aquela em que o sangue corre nas calçadas e milhões morrem nas ruas, enquanto ele, o revolucionário, refugia-se num país neutro, ou do lado dos prováveis vencedores, onde engendrará a resistência ou, quem sabe?, uma nova revolução.

Não é mesmo esta a revolução em curso, em especial nesta primeira metade do século XXI. A revolução que se desenvolve a todo vapor  ou melhor, à velocidade da luz  é a da total, completa e irrefreável exposição pública das emoções, dos sentimentos e dos medos que a todos governam. É a revolução da Comunicação globalizada.

Nesse contexto revolucionário, para usarmos terminologia da década de setenta, um governo reformista "de gente fina, elegante e sincera", como disse o poeta pop, já será (e é) um ganho enorme, um avanço fabuloso, desde que tenha a habilidade para seguir adiante, paulatinamente adiante.