Isso
é natural e compreensível. Afinal, os pontos de partida constituem
os alicerces de toda tese e há mesmo que defendê-los, sob pena de
vermos a sua ruína ou o desmerecimento de sua pretensa
originalidade, ao menos.
Para
mim, por exemplo, não é correto afirmar que a conformação da absurda, criminosa desigualdade social brasileira seja fruto exclusivo de fatores nativos,
isto é, das relações que aqui se desenvolveram ao longo dos 500 e
tantos anos desta nossa existência como colônia e depois país.
Os
seres vindos da Europa, da África — e, tantos anos antes, da Ásia,
da Oceania e sabe-se lá de onde mais —, que aqui construíram uma
nação, não o fizeram senão a partir da formação cultural,
política, religiosa e social adquiridas em suas terras de origem.
Nós,
brasileiros, somos consequência dos povos que nos deram origem e das nossas
relações e vivências desenvolvidas desde que passamos a construir a nossa própria história. Não é, sequer, razoável dizer que somos o que somos
porque, em determinado momento, um grupo de intelectuais quis que nós pensássemos que
assim somos.
Como
também não me parece aceitável afirmar, peremptoriamente — e a
partir disso construir um sistema inteiro de pensamento —, que a
complexidade da sociedade humana, como hoje a conhecemos, nasceu e
decorre única e exclusivamente das relações estabelecidas quando o
homem deixou a condição de nômade, caçador, coletor, e passou à
de sedentário, produtor, proprietário.
Por
mais que tal construção (premissa) faça sentido histórico e tenha
sustentado, com méritos incontestáveis, o desenvolvimento de um
arcabouço ideológico e as práticas dele decorrentes, isto não
autoriza a ninguém concluir que este seja o caminho adequado e definitivo para a compreensão inteira da realidade e a determinação do processo que nos levará a um real avanço civilizatório.
O enigma por trás da falência
do nosso modelo de civilização está longe de ser desvendado. Isto salta aos olhos, ainda mais hoje, quando vemos o aprofundamento dos conhecimentos em torno da formação genética e da psiquê humanas.
Agora mesmo, revelou-se que cientistas do Instituto Max Planck para a Antropologia Evolucionária, em Leipzig, Alemanha, e do Instituto Karolinska, em Estocolmo, Suécia, conseguiram genomas de alta qualidade a partir de material de neandertais (que viveram no período paleolítico, entre 30 mil e 300 mil anos atrás) obtido em cavernas na Croácia e Rússia. Esse estudo revelou que "uma variação do DNA neandertal, envolvido no controle dos impulsos dos nervos, pode ser responsável por fazer os ditos ancestrais dos homens mais propícios a sentir dor".
De acordo com os cientistas, "pelo menos 0,4% dos participantes de um banco biológico do Reino Unido, com 500 mil genomas britânicos modernos, carregam o gene neandertal mutante. Em tais pessoas, o gene cria uma proteína responsável pela duração dos sinais de dor enviados ao cérebro e à medula espinhal". Ou seja, isso explicaria porque algumas pessoas sentem mais dor do que outras.
Assim, ao contrário das premissas que sustentam as teses acima (1 - Irrelevância das raízes culturais, políticas, religiosas dos povos que originaram o Brasil para explicar as relações de desigualdade predominantes hoje em nosso pais; e 2 - Determinação das relações baseadas na produção como fundamentos irrecorríveis da construção desta nossa civilização), a minha teoria, como se percebe, aponta para a relevância incontornável do fator humano; aponta para o mistério que constitui este individuo que é, sim, o sujeito da História, mas que também é seu paciente. Errático, inseguro, amedrontado paciente.