A Missão dos EUA/Ocidente, hoje (revisado e ampliado)

A questão é a seguinte: os EUA e seus aliados diretos (Grã-Bretanha e, em grande parte, Alemanha e França) perderam a passo da História.

Quem assumiu a dianteira (e isto desde o final do século XX, como, entre outros, já havia identificado Samuel P. Huntington, em "O Choque de Civilizações") foi a China, agora em companhia da Rússia.

Pode-se, até, questionar e duvidar da pureza das intenções desses novos candidatos a protagonistas à construção civilizatória de nossa espécie. Pode-se e deve-se, pois é da natureza humana duvidar e questionar.

O que não se pode é fazer de conta não enxergar o fato de que a China, com o "Cinturão e Rota da Seda", lançado em 2013 (voltado à construção de uma rede de ferrovias, rodovias, oleodutos, gasodutos e sistemas de telecomunicação e portos, contemplando o Oriente, a Ásia, parte da Europa oriental, a África e a América do Sul), deu um xeque-mate no antigo modelo/práticas de relações internacionais até então liderado pelos EUA.

Diz-se que, por trás dessa iniciativa está tão-somente a necessidade de a China construir uma infraestrutura planetária, tanto para o recebimento das matérias-primas de que necessita quanto para o escoamento das mercadorias que produz. Enquanto isto, concomitantemente, estabeleceria um novo paradigma nas relações internacionais.

Desse ponto de vista, sim, xeque-mate!   
 

Quanto às lideranças ocidentais, Estados Unidos à frente, o que se vê é o ato de espernear; de promover retaliações comerciais contra a China e econômicas contra a Rússia; de pressionar seus históricos parceiros europeus a fazerem o mesmo; de patrocinar golpes de Estado ao Sul do Equador, para que a América Latina se mantenha fiel ao Império, etc.

Ao fim e ao cabo, no entanto, xeque-mate. Ou os EUA aceitam a nova ordem mundial que se vem desenhando, e dela tiram proveito, ou serão irremediavelmente superados pelo andar da História. E, nesse passo, tudo perderão.

Mas, como aceitar a nova ordem que se avizinha, sem por ela ser humilhado?

Simples: levando a sério, literalmente, as intenções chinesas.

O que isto significa?

Significa distender ao máximo as (pretensas) intenções e os (subentendidos) propósitos assumidos pela China.

E quais são esses supostos propósitos? Em resumo, são o entendimento de que a espécie humana é uma só, apesar de sua diversidade; que o planeta está sob risco iminente; que não temos mais tempo para dissensões; que precisamos nos unir em torno de um projeto comum e urgente de salvar a Terra.

Fim às guerras!

Fim às agressões!

Fim às ameaças!

Fim à belicosidade entre os povos!

Respeito incondicional às decisões do plenário das Nações Unidas, ou de qualquer organismo com a mesma abrangência de representatividade que possa vir a ser criado.

Nossos inimigos (e a espécie humana precisa ter sempre um inimigo a quem combater) são o desafio do combate à fome e às injustiças em geral, bem como as ameaças presentes à continuidade da vida na Terra (climáticas e biológicas, principalmente). E, ainda, os riscos reais à preservação da própria Terra frente aos perigos cósmicos.

É a isto o que a China se propõe? Se isto for, estaremos todos de acordo, e juntos 
a velha e a nova ordem  podemos e devemos trabalhar.

Sob a luz desse entendimento/aceitação, cabem o combate à ganância, ao individualismo, ao egoísmo, à cultura do ódio, às intolerâncias.

Assim, ainda que tarde, os EUA haverão de ajustar seu passo ao ritmo da História, integrando-se à nova ordem com o mérito de, até recentemente, terem liderado o mais impressionante e decisivo processo de desenvolvimento tecnológico da espécie humana.

Há momentos, tanto da história dos homens quanto das nações, em que recuar é mais sábio do que forçar um avanço doloroso, improvável, fadado ao fracasso.

Os EUA (e seus mais influente aliados) poderiam ter tido, lá atrás, a visão do que estava por vir. Até um pensador espiritualista, como o italiano Pietro Ubaldi (1986-1972), em "Profecias", livro escrito em 1953-55, já prenunciava o atual cenário.

E, no entanto, mercê das limitações impostas por sua cultura — influenciada pelo pragmatismo/utilitarismo da filosofia ocidental predominante (sim, porque houve filósofos ocidentais com visão mais madura do que a adotada nos últimos 100 anos); mercê da armadilha filosófica e ideológica em que se meteram, os EUA não foram capazes de fazê-lo, embora a nova realidade estivesse aí, à vista de todos.

O holandês Baruch Spinoza (1632-1677), por exemplo, em seu “O Tratado Político” deixou registrado: "O objetivo supremo do Estado não é dominar os homens nem contê-los pelo medo, é, isso sim, livrar cada um deles do medo, permitindo-lhe viver e agir em plena segurança e sem prejuízo para si ou seu vizinho. O objetivo do Estado, repito, não é transformar seres racionais em feras e máquinas. É fazer com que seus corpos e suas mentes funcionem em segurança. É levar os homens a viver segundo uma razão livre e exercitá-la, para que não desperdicem suas forças com o ódio, a raiva e a perfídia, nem atuem uns com os outros de maneira injusta. Assim, o objetivo do Estado é, realmente, a liberdade".

Onde, em que lugar iluminado ou obscuro de nosso planeta, esse objetivo apontado por Spinoza (por exemplo) foi um dia, ou está hoje sendo realizado? Com certeza, não se realizou ou realiza no grande país do Norte.

Portanto, repito, o que cabe aos EUA e a seus parceiros é o nobre papel — insisto: o nobre papel — de não estorvar quem (aparentemente) se propõe a conduzir a grande mudança. Desde que ela seja de fato nobre.

Para isso, é precisar pagar pra ver.